sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Crenças alimentares em indivíduos que se submeteram à cirurgia bariátrica

Anna Claudia Queiroz; Mara; Niraldo Santos; Arthur Garrido; Marlene Monteiro; Claudia 
Artigo premiado na categoria DIP/ICHC, no V Congresso Interamericano de Psicologia da Saúde: Psicanálise aplicada à terapêutica no hospital.

1- INTRODUÇÃO

O interesse específico por indivíduos que se submeteram a cirurgia bariátrica decorre do número, cada vez maior, da utilização desta técnica para o tratamento da obesidade mórbida.
A cirurgia da obesidade é uma intervenção considerada a mais eficaz para os casos em que os pacientes apresentam risco de morte devido às complicações decorrentes do excesso de peso. No entanto, os fatores psíquicos a serem observados na avaliação pré-cirúrgica do paciente candidato à operação ainda são motivos de discussão (Franques, 2006). Além disso, há escassa informação sobre as conseqüências psicológicas decorrentes da realização do procedimento. Do ponto de vista orgânico, o conhecimento científico tem se dedicado a avaliar e descrever o impacto resultante da gastroplastia e suas conseqüências físicas (anemia, carência vitamínica, entre outras). Dentre os fatores psicopatológicos descritos como passíveis de serem observados em pacientes que se submeteram a gastroplastia, de acordo com Marchesini (2002), outras problemáticas pode emergir, como indivíduos com Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) antes da cirurgia, após a gastroplastia, apresentaram outros tipos de transtornos de impulsos, tais como: compras compulsivas, jogos compulsivos, abuso de substâncias psicoativas e álcool.
A obesidade pode ser definida como uma doença crônica, de origem multifatorial, que se caracteriza pelo excesso de gordura corporal. Dentre as várias hipóteses relacionadas a etiopatologia, uma das mais discutidas atualmente relaciona a obesidade a um estresse emocional contínuo, que leva à diminuição das concentrações de neurotransmissores, como a serotonina nas sinapses nervosas, alterando o estado de humor do indivíduo, e o levando a ingerir carboidratos, como possibilidade de compensação da deficiência de neurotransmissores (Bicudo, 2001).
Segundo Loli (2000), as causas da obesidade são definidas em sete modalidades: neuro-endócrinológica; genética; inatividade física; dieta inadequada; farmacológica; ambiental; psiquiátrica e psicológica.

Sob a ótica da psicologia, é relevante enfatizar os aspectos desencadeadores da obesidade, e os conseqüentes do sujeito apresentar o excesso de peso.  
Em alguns casos, a obesidade pode ser considerada como um mecanismo de defesa, ou seja, o tecido adiposo tem como função ser a camada protetora frente ao mundo externo, “um muro de carne entre si e os outros” (Kaufman, 2005). Quando o indivíduo tem a estrutura egóiga fragilizada, e não apresenta recursos internos para lidar com o mundo externo e interno (com suas próprias emoções), a “capa de gordura” passa ser a proteção (Dahlke, 1996; Loli, 2000; Woodman, 1980).
Por outro lado, o alimento passa a atender, não as necessidades nutricionais, mas as necessidades psíquicas. A comida em excesso tem sido descrita como uma possibilidade de preencher um “vazio interior”, abstrato, ou uma forma de compensação; ao se viver um desprazer, come-se, pois a comida é uma fonte de satisfação (Dahlke, 1996; Woodman, 1980).
As complicações da obesidade que refletem no psiquismo do indivíduo são, segundo Woodman (1980): a dimensão corporal do obeso limita os seus movimentos, levando-o a ter a sensação do corpo como uma prisão; há uma perda da imagem corporal, pois é freqüente a incapacidade de experimentar e olhar o próprio corpo; o isolamento social é evidente, pois o obeso teme o contato com a sociedade, em função da discriminação, principalmente pelo padrão de beleza atual ser a magreza; o medo de ser rejeitado propicia o surgimento de uma postura de agradar demasiadamente o outro, tornando-se o “gordinho simpático”; entre outras problemáticas, decorrentes do excesso de peso.
Sob o aspecto físico, são diversas as doenças associadas à obesidade, dentre as quais: derrame cerebral, dislipidemia, hipertensão arterial, infarto do coração, varizes, gota, osteoartrose, diabetes, cálculo biliar, apnéia do sono, distúrbio menstrual, maior incidência de câncer. (Domene, s/d ).
Diante de tantas dificuldades, sob os aspectos orgânicos e psicológicos, o obeso procura diversas formas de solucionar sua problemática. Para Domene (s/d), existem duas possibilidades de tratamento: não cirúrgico e cirúrgico. Os tratamentos não cirúrgicos incluem: dietas alimentares, reeducação alimentar, modificações comportamentais, medicamentos, atividade física e psicoterapia. Se  após um determinado período o tratamento clínico para obesidade não se obteve o resultado esperado, ou se houve excito, porém posteriormente ocorreu o reganho de peso, a outra opção é a intervenção cirúrgica.
Segundo Claudino & Zanella (2005, p.287),
O tratamento cirúrgico da obesidade mórbida é uma alternativa eficaz, embora radical, a ser empregada quando falham os métodos clínicos tradicionais. Operações bariátricas surgiram em 1951, na forma de derivações jejunoileais e evoluíram para diversas técnicas atualmente disponíveis. Na década de 1990, tornaram-se difundidas e seguras, apresentando bons resultados em longo prazo.
Os critérios clínicos que recomendam a cirurgia ao paciente são: possuir IMC igual ou superior a 40 e que sejam resistentes aos tratamentos convencionais; o paciente com IMC de 35, portador de doença crônica associada e agravada pela obesidade. O IMC é calculado dividindo o peso do indivíduo pela sua altura elevada ao quadrado. (Claudino & Zanella, 2005).
Sumariamente, a cirurgia bariátrica prevê o controle da obesidade através do procedimento cirúrgico. Os tipos de cirurgia mais utilizados atualmente são: cirurgias restritivas, visando à limitação de ingestão da comida (banda gástrica laparoscópica); cirurgia dissabsortiva, que diminui a absorção dos nutrientes e das calorias dos alimentos (cirurgia de Scopinaro); cirurgia combinada, que é a intervenção que apresenta uma combinação variável, com componentes restritivos e dissabsortivos (cirurgia Fobi-Capela). Esta técnica consiste em associar à redução do reservatório gástrico (volume variando de 20 a 50 ml), juntamente com uma restrição ao seu esvaziamento pelo anel de contenção (orifício menor que 1,5 cm), ocasionando um pequeno prejuízo na ingestão, e através de uma derivação gástrica–jejunal, também se possibilita um efeito dissabsortivo. (Domene, s/d ).
Tanto no período anterior à cirurgia como as mudanças alimentares após a
gastroplastia, as crenças envolvendo a alimentação tem sido freqüentemente relatadas, fato este que merece nossa investigação. Para isto, faremos uma apresentação conceitual daquilo que consideramos se tratar do “fenômeno da crença”.

Para o filósofo C.S.Peirce (1839-1914), uma crença pode ser definida como uma rede de signos ou representações (ícones, símbolos, etc.) estabelecida através de hábitos, que são regularidades. As crenças estão pragmaticamente associadas a certas práticas e ações. Sumariamente, a definição de crença envolve a formação de um hábito, e vice-versa; e é algo que mobiliza o homem a agir, tornando-se um costume. Para o autor, uma crença não necessita ser consciente. Quando se torna consciente, o ato de reconhecimento torna a crença um julgamento. (Queiroz, 2005). Enfim, um hábito é constituído por premissas e inferências, fundamentando uma crença, e esta norteia os desejos e a ação do ser humano.(Pierce, 2008). Pode-se também definir crença como “estado mental ou psicológico, de acreditar, e que servem para expressar as causas que atribuímos aos nossos comportamentos” (Ramsey, apud Diniz, 2004, p.29).
 Para Liderman (1999) a crença é uma forma de significar o mundo, com a finalidade de diminuir a ansiedade do sujeito frente ao desconhecido, exercendo uma função controladora. Outra função diz respeito à identidade social, e a necessidade de adotar uma determinada crença com a função de se identificar com um grupo de referência.(Aarnio, 2004). As inclinações para algumas crenças podem estar relacionadas com determinados eventos e a algumas transições na vida, muitas vezes inesperadas, podendo ser negativas. É a teoria do manejo do medo (Solomon apud Liderman, 1999).
Enfim, as condições de risco e incertezas podem desencadear crenças e práticas mágicas, como tentativa de controle sobre o incontrolável. (Keinam apud. Aarnio, 2004). As crenças podem ser interpretadas como estratégias usadas com o objetivo de lidar com os problemas e com situações que ameaçam também a saúde.(Wamsteker, 2005).
Crenças alimentares podem influenciar as “práticas alimentares”. Trata-se de uma rede, de um complexo de representações associado a práticas específicas estabelecidas por comunidades de usuários. Por exemplo, “o consumo de chá verde é reconhecidamente benéfico quando ingerido”. Sua ingestão é, portanto, a ingestão de benefícios. Esta rede é contexto e histórico-dependente. A ingestão deste benefício está associada a descobertas específicas de certas comunidades – como a comunidade científica, em um certo período. A refutabilidade de teses e hipóteses pode promover, em outro período, uma nova rede associada à prática de ingestão de chá verde, alterando o sistema de crenças estabelecido. Para alguns pesquisadores (e.g. Oakes, 2005a) esta rede pode tipologicamente ser dividida em “sistema maléfico” versus “sistema benéfico” de crenças. Um sistema maléfico produz um conjunto de práticas maléficas ao usuário. Um sistema benéfico produz seu antagônico.
Outro aspecto a se considerar, é a conexão da escolha de determinados alimentos e a compreensão dos processos psíquicos envolvidos nessa escolha.  Quais questões estão envolvidas, que definem o sujeito a adotar uma determinada postura alimentar, a rejeitar a ingestão de certas comidas (ex: carne) ou a desenvolver alguns pensamentos mágicos sobre a comida (Oakes, 2005a).
Muitos pensamentos mágicos podem ter base no mundo real, mas o que o diferencia da evidência cientifica é que é amplamente exagerado. O pensamento mágico sobre alimento se baseia na lei de contagio, muito presente nos vegetarianos, e de similaridade (Linderman,2000). Um exemplo de crença mágica é que dieta inadequada pode levar a comida a apodrecer no corpo.(Linderman,1999).
Observa-se que as crenças alimentares estão mais presentes em indivíduos que apresentam problemas relacionados ao peso, e que já realizaram dietas(O’Coonor, 2003). Porém, creditava-se antes que a escolha dos alimentos estava intimamente ligada ao controle de peso. Mas percebe-se também que a conduta alimentar pode revelar a identidade do indivíduo e sua visão de mundo.(Oakes, 2005b). O prazer de comer é substituído por razões ideológicas (Linderman,2000).
Há também à conceituação do alimento, independente do conteúdo nutritivo.(Oakes, 2002).A comida passa a ter um significado simbólico. Exemplo é a carne, que apresenta toda uma conotação de poder e agressão, pois implica em abater o animal (Ross, 2001).
A psicanálise define crença como representação. Segundo Hermann (1998), as representações têm uma função defensiva, intrínseca aos atos psíquicos, que media o sujeito e seu desejo, podendo se tornar uma função psíquica onipresente e uma espécie de obsessão. A imersão em um sistema de crenças, de hábitos, termina por produzir um conjunto específico de práticas.
A questão principal deste trabalho é avaliar como a crença alimentar, após a cirurgia bariátrica, define o comportamento alimentar do indivíduo operado, de selecionar ou rejeitar a ingestão de determinadas comidas, de categorizar alguns alimentos como bons x maus, e em decorrência, ao incorporar esta ideologia, deixá-lo vulnerável ao desencadeamento de alguns transtornos alimentares (transtorno de comer compulsivo, bulimia, anorexia). Além destes aspectos, tentaremos correlacionar a dinâmica do desejo visando entender algumas psicopatologias que emergem após o emagrecimento, e o número intenso de crenças alimentares existentes.
Enfim, compreender o impacto na subjetividade do sujeito, decorrente de uma mudança significativa, a cirurgia bariátrica, que se inicia com a mudança no aparelho digestivo (gastroplastia), e posteriormente com vivencias inerentes ao processo de emagrecimento (mudança da imagem corporal, excesso de pele, cicatriz das cirurgias plásticas).  

2- MÉTODO
 Participou da pesquisa no total de 60 pacientes. A análise do critério de inclusão foi à realização da cirurgia há mais de seis meses.  A investigação objetivou relacionar as crenças alimentares dos pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica e o possível reflexo nos resultados do processo de emagrecimento, e a postura alimentar do indivíduo após o ato cirúrgico. A investigação realizada foi por meio de técnica não probabilística, intencional e por conveniência. A participação dos sujeitos da amostra foi voluntária, sendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pela Comissão Setorial de Ética em Pesquisas (COSEPE) da Divisão de Psicologia do Instituto Central do HC/FMUSP.
Um dos instrumentos utilizados foi um questionário fechado (desenvolvido pelos pesquisadores) contendo 35 perguntas com respostas de múltipla escolha. As perguntas são divididas por duas partes distintas. A primeira etapa visa uma coleta de dados sócio-demográficos, e a segunda parte está relacionada às dietas, regimes alimentares já realizados, perda de peso, imagem corporal e métodos de emagrecimento.
Além disso, foi utilizada a escala de crenças alimentares e de saúde (MFH), que é um instrumento composto por 18 perguntas, tendo por objetivo identificar e avaliar as possíveis crenças alimentares dos sujeitos entrevistados, tanto as crenças mágicas gerais como a de contaminação de alimentos e de personalidade através de produtos animais.  Também se utilizou a aplicação de questionário aberto, visando uma análise qualitativa dos dados e uma possível avaliação e interpretação dos resultados obtidos.



3- RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todos os sujeitos investigados foram submetidos à cirurgia bariátrica com a técnica combinada, “Cirurgia Fobi-Capela”. A amostra foi constituída por, predominantemente, sujeitos do gênero feminino (85%). A faixa etária predominante (67%) foi de 18 a 25 anos; dentre os que apresentavam idade inferior a 18 anos, temos 7%, e com idade superior a 50 anos tivemos 13% dos entrevistados. Quanto ao estado civil, 70% se declararam casados, 27% solteiros e 3% separados. Com relação aos níveis de escolaridade, 30% tinham realizado  o ensino médio completo, e 12% o médio incompleto. A renda familiar que predominava era maior de cinco salários mínimos, 23%, e os que possuíam um ganho de dois a três salários mínimos, 17 %. Na avaliação do Índice de Massa Corpórea (IMC), a média encontrada foi de 29 (o IMC menor foi de 19,09 e o maior 46,94). O peso máximo apresentado pelos pacientes antes da realização da cirurgia da obesidade era uma média de 123,72kg, sendo que a média predominante do peso da amostra, no momento da realização da pesquisa, foi de 64,13kg, considerando que o tempo de submissão à intervenção cirúrgica variava para cada paciente.  Quando questionados a respeito de como percebiam o peso atual, 67% dos entrevistados se consideravam com peso normal, 29% se sentiam “gordos” e 4% se viam “muito gordos”. Na investigação da presença de diabetes ou disfunção da tireóide, apenas 10% responderam afirmativamente sobre a existência destas enfermidades físicas.
             Outro aspecto significativo a se considerar, foi à constatação que antes da cirurgia bariátrica, 37% dos pacientes tentaram aproximadamente sete tipos diferentes de tratamentos clínicos para obesidade, porém verificou-se que não obtiveram resultados desejados, ou após o emagrecimento, tiveram reganho de peso. Analisando os resultados acima, constatamos a eficiência da cirurgia para pacientes que possuem uma obesidade que pode levar a óbito, pois se observou que a média de emagrecimento do grupo foi de aproximadamente 60kg, havendo também uma melhora no estado de saúde.
O questionário que investiga a crenças alimentares, tanto a crença mágica e a possibilidade de contaminação dos alimentos ou da personalidade através de produtos animais, apresentou os resultados relacionados na tabela abaixo(tabela 1):



Você pensa que
Discordo completamente
Mais discordo do que concordo
Nem concordo nem discordo
Mais concordo
do que discordo
Concordo completamente
Uma falta de equilíbrio na ingestão de alimentos esta por trás de muitas doenças

3.33%
(2)


6,66%
(4)


15%
(9)


16.66%
(10)



56.66%
(34)

As cores mudam a vibração de energia de um organismo de uma maneira que beneficia a saúde

6,66%
(4)


33%
(2)


30%
(18)


25%
(15)


35%
(21)

As plantas são seres vivos, cujos potenciais de energia podem ser transmitidos aos seres humanos


10%
(6)





1.66%
(1)


18.33%
 (11)


11.66%
 (7)


68.33%
(41)

Ao massagear o ponto na sola do pé que corresponde a um órgão doente, esse órgão será restaurado.


15%
(9)


10%
(6)


23.33%
 (14)


23.33%
(14)


28.33%
(17)
Se não limparmos nosso corpo de algum jeito, toxinas pouco saudáveis, permanecem dentro dele


13.33%
(8)



8.33%
(5)


10%
(6)


20%
(12)


48,33%
(29)

É bom desintoxicar o corpo de vez em quando fazendo jejum.

20%
(12)

6,66%
(4)


18.33%
 (11)


18.33%
(11)


35%
(21)

Uma doença deve ser tratada com remédios que tenham propriedades similares às doenças

5%
(3)


5%
(3)


21.66%
 (13)


26.66%
(16)


41.66%
(25)

Já que nossos corpos são 70% água, deveríamos seguir uma dieta que tivesse aproximadamente 70% de água

16.66%
(10)


10%
(6)


35%
(21)


13.33%
 (8)


25%
(15)

Uma dieta incorreta faz com que a comida apodreça no corpo.

38.33%
(23)


6,66%
 (4)


20%
(12)


13.33%
 (8)


21.66%
(13)

A afirmação de que bebidas vermelhas melhoram a hemoglobina é provavelmente verdadeira

23.33%
(14)






10%
(6)


10%
(6)


11.66%
(7)


20%
(12)

Eu ficaria aborrecido se um restaurante me servisse  comida que tivesse entrado em contato com gordura animal, mesmo que ela tivesse sido completamente removida

43.33%
(26)


10%
(6)


23.33%
(14)


5%
(3)


18.33%
(11)

Me incomodaria comer comida vegetariana  que tivesse estado em contato com um bife

18.33%
(11)


8.33%
 (5)


18.33%
(11)


3.33%
(2)


15%
(9)

O sangue animal polui a comida

33,33%
(20)


5%
(3)


26.66%
(16)


8,33%
(5)


25%
(15)

Comida vegetariana fica estragada se entrar em contato com carne

40%
(24)


6.66%
(4)


23.33%
14)


13,33%
(8)


16.66%
(10)

Ossos animais poluem a comida

43.33%
(26)


10%
(6)


23.33%
(14)


6.66%
(4)


16.66%
(10)

O consumo de carne faz com que as pessoas se comportem agressivamente

51.66%
(31)


8.33%
(5)


23.33%
(14)


8.33%
(5)


8.33%
(5)

O consumo de carne embota o pensamento

58.33%
(35)

10%
(6)


23.33%
(14)


       3.33%
(2)


5%
(3)

Comparada a comida vegetariana, o consumo de carne desperta mais instintos animais nas pessoas.

55%
(33)


6.66%
(4)


25%
(15)


8.33%
(5)


5%
(3)

                                            A- Tabela 1 – Dados obtidos na aplicação da MFH .
            
 Através das questões abertas, foi possível verificar que grande parte dos pacientes apresenta dificuldades de ingerir certos tipos de alimentos. A maior dificuldade descrita está relacionada à carne, seguido pelo arroz.
Abaixo, apresentamos um gráfico sinalizando os principais alimentos referidos como “difíceis de ingerir” e, por vezes, recusados.(gráfico 1).
 









                                     

                                    
                                    B-Gráfico 1- Alimentos difíceis de ingerir

Os dados que seguem são trechos dos relatos dos pacientes, coletados a partir da entrevista aberta:
“Antes de operar fui a um endocrinologista, ele me perguntou se realmente ia fazer esta cirurgia, e que eu nunca mais comeria carne. Atualmente não consigo comer carne vermelha, o frango e o peixe, eu me forço”. (SIC)

“Não como quase tudo. Tenho medo de comer e vomitar. Acho que encher o estomago, principalmente com carne, a comida vai ficar parada, não fazer a digestão, e apodrecer no meu estomago”(SIC)

“Não como carne vermelha e frango. Meu estomago não aceita”.(SIC)

“Eu não como: arroz, feijão, carne vermelha e de frango. O estômago dói e eu vomito”.(SIC)

“Como de tudo, só vomito se como em excesso tipos de carne vermelha, pois meu estomago não aceita”. (SIC).

         Outro aspecto relevante de se verificar nos relatos é que, ao se referirem a dificuldades de ingerir alimentos, os pacientes mencionam o estomago, e não a si próprio. Após o ato cirúrgico, é freqüente a postura de se compreender as mudanças do aparelho digestivo, decorrentes da cirurgia bariátrica,. “O eu superinveste narcisicamente o local doloroso do corpo” (Násio,1997, p.120), na tentativa de elaborar uma imagem, um retrato, de como está o órgão que foi modificado após a intervenção médica.
         As mudanças estruturais no aparelho gastro-intestinal (a diminuição do tamanho do estomago; o desvio intestinal; a colocação do anel de silicone)  ocasiona no paciente que se submeteu a gastroplastia um impacto significativo em sua psique, justificando o elevado número de crenças alimentares no pós-operatório. .
           Observando a tabela das crenças alimentares após cirurgia bariátrica, constatou-se um exagero no número de afirmações nas crenças (considerando os itens “mais concordo do que discordo” ou “concordo plenamente”.) Os números obtidos foram: uma falta de equilíbrio na ingestão de alimentos esta por trás de muitas doenças, 73,32%; as cores mudam a vibração de energia de um organismo de uma maneira que beneficia a saúde, 60%; as plantas mudam a vibração de energia de um organismo de uma maneira que beneficia a saúde, 79,99%; ao massagear o ponto na sola do pé que corresponde a um órgão doente, esse órgão será restaurado, 51,66%; uma dieta incorreta faz com que a comida apodreça no corpo, 34,99%; se não limparmos nosso corpo de algum jeito, toxinas pouco saudáveis, permanecem dentro dele, 68,33%; é bom desintoxicar o corpo de vez em quando fazendo jejum, 53,33%; uma doença deve ser tratada com remédios que tenham propriedades similares às doenças, 68,32%; já que nossos corpos são 70% água, deveríamos seguir uma dieta que tivesse aproximadamente 70% de água, 38,33%; a afirmação de que bebidas vermelhas melhoram a hemoglobina é provavelmente verdadeira, 31,66%; eu ficaria aborrecido se um restaurante me servisse  comida que tivesse entrado em contato com gordura animal, mesmo que ela tivesse sido completamente removida, 18,33%; me incomodaria comer comida vegetariana  que tivesse estado em contato com um bife, 18,33%; o sangue animal polui a comida, 33,33%; comida vegetariana fica estragada se entrar em contato com carne, 29,99%; ossos animais poluem a comida, 13,33%; o consumo de carne faz com que as pessoas se comportem agressivamente, 16,66%; o consumo de carne embota o pensamento, 8,33%; comparada à comida vegetariana, o consumo de carne desperta mais instintos animais nas pessoas, 13,33%.
Analisando o elevado índice de concordância em relação às crenças alimentares a partir do instrumento MFH, em pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica, quais são realmente os motivos que os levam a ter tantas crendices e pensamentos mágicos no pós-operatório?
 As crenças emergem a partir de determinados eventos e de transições na vida, visando manejar o medo frente a uma situação desconhecida, e a cirurgia bariátrica é uma intervenção que resulta em muitas transformações na vida do sujeito, geradora de muitas incógnitas, contribuindo para construção das crenças alimentares.
Contraditoriamente, observa-se que a crença com relação à ingestão de carne é baixa comparada aos demais itens, constatando-se que não há muitos pensamentos mágicos relacionados ao seu consumo, que é muito comum, por exemplo, entre os vegetarianos.Porém, a maior dificuldade relatada pelos pacientes após a cirurgia é a dificuldade de comer carne.  Esta contradição sinaliza que o fato de apresentar uma diminuição da ingestão de carne não é conseqüência de ideologias relativas a este gênero alimentício, e sim decorrentes das modificações na estrutura física do paciente após a gastroplastia, como a diminuição do estomago, dificultando a sua assimilação e elaboração psíquica, mobilizando-se medo. Conseqüentemente, uma possível estratégia, visando lidar com o desconhecido, é o surgimento de crenças alimentares. A partir de então, não se come carne, ou muitos relatam mastigar e depois cuspir.
Muitos médicos se referem à possibilidade de complicações na ingestão de determinados alimentos, como a carne, principalmente quando não mastigada adequadamente. A crença se baseia em informações do mundo real, mas se diferencia das evidências científicas, pois é amplamente exagerada.
Após o emagrecimento, ocorre uma melhora sob o ponto de vista médico, o que não corresponde de forma equivalente à preparação psíquica do sujeito para viver as modificações significativas inerentes à cirurgia e posteriormente ao emagrecimento.
Observa-se freqüentemente que alguns pacientes após o emagrecimento desenvolveram problemas psíquicos, como: depressão, transtorno bipolar, síndrome do pânico, até mesmo tentativa de suicídio. Antes da cirurgia, “a obesidade era apontada como fator que justificava uma série de impedimentos na obtenção de sucesso na vida afetiva e profissional. Após a cirurgia, com o emagrecimento, os pacientes ‘perdem’ a base de sua argumentação que fundamentava as referidas impossibilidades. Com a perda dos ganhos secundários que se obtinha com a obesidade ocorre o aumento das exigências, geradoras de vivências psíquicas novas, que culmina num alto grau de ansiedade para a efetivação de sucesso, podendo-se desencadear crises psicológicas”.(Queiroz & Santos, 2005, p.81).
A cirurgia é um evento marcante na vida do sujeito, que implica uma série de mudanças e a necessidade de adaptação a cada etapa vivida no pós-operatório. Como salientado anteriormente, após mudanças significativas é comum observar certas inclinações para uma ideologia ou crença. É um recurso para significar e compreender algumas situações de difícil elaboração. O numero elevado de crenças alimentares após a gastroplástia vem cumprir essa função psicológica, sendo um recurso para lidar com os medos, e uma tentativa de controlar o incontrolável.
Segundo Hermann, como mencionado anteriormente, as crenças têm a função de mediar o sujeito e o desejo. Ao emagrecer, o sujeito perde a “capa de gordura”, que possivelmente era o elemento que fazia mediação entre ele e o desejo, paralisando-o frente à vida. Assim, se a crença é uma representação, com a função defensiva, que “protege” o sujeito de seu desejo, após a cirurgia bariátrica, ocorre uma substituição da camada adiposa pelas crenças alimentares.
Ao passar a acreditar em algumas idéias, como não conseguir comer carne, ou a melhor forma de se comer arroz, há todo um investimento nestes objetos, desviando a atenção dos próprios desejos. O desencadear de outros sintomas e adoeceres no pós-operatório, também são formas de paralisar o sujeito, como a depressão, que “é uma falha em relação à saúde,... e os próprios sujeitos a percebem em uma dimensão de demissão,... de renuncia ante a luta” (Soler, 2003, p.74) e as exigências da vida.
Desta forma, quando o obeso procura um cirurgião e solicita a cirurgia bariátrica, inscreve-se nas “entrelinhas” um pedido de mudança.Porém, por não possuir recursos internos suficientes para realizar a modificação desejada, o sujeito solicita uma intervenção externa, como a cirurgia bariátrica.A necessidade de modificar o estilo de vida é observada quando se opta pela realização da operação. O problema é que muitas vezes o paciente não se encontra preparado para vivenciá-las. Na realidade, continua o movimento de esconder e fugir dos desejos e da vida, não mais se utilizando a camada adiposa como recurso de proteção e sim de outras problemáticas.
         A perda de peso e as mudanças decorrentes da cirurgia bariátrica, tanto podem fazer com que sintomas psíquicos fiquem ainda mais evidentes nos sujeitos operados, como também podem impulsioná-los a buscar novas estratégias de enfrentamento de situações antes paralisadoras. O impacto causado na subjetividade do sujeito ao realizar a cirurgia bariátrica é significativo, iniciando com a mudança do aparelho digestivo (gastroplastia), e posteriormente, com vivências inerentes ao processo de emagrecimento (mudança na imagem corporal; excesso de pele; cicatriz das cirurgias plásticas). É o momento de se reconstruir novas referências, e de resignificar como ser na sociedade, não mais como o”gordo”. Muitos não elaboram tantas transformações, justificando muitas vezes o reganho de peso ou a substituição do sintoma por outra doença ou compulsão, ou o aparecimento exagerado de crenças alimentares, que facilitam o emergir de alguns transtornos alimentares, como a anorexia ou bulimia. .









4- CONCLUSÃO

De acordo com estatísticas realizadas em diversos países, inclusive na população brasileira, o número de obesos aumenta consideravelmente, incluindo o número de obesos mórbidos. Conseqüentemente, o número de cirurgias bariátricas vem se intensificando, uma vez que esta modalidade de intervenção é a única considerada eficaz para os casos em que o paciente apresenta risco de morte devido às complicações do excesso de peso.
Os resultados obtidos com este estudo apontam que a média da perda de peso é de, aproximadamente 60kg, após a intervenção cirúrgica. As comorbidades relacionadas à obesidade, como a diabete, estavam presentes em apenas 10% da população estudada, fazendo-nos inferir que a perda de peso após a cirurgia resultou em uma melhora na condição clínica dos pacientes do grupo.
Sob o ponto de vista médico, a cirurgia é a melhor opção. Mas é importante salientar que as mudanças decorrentes do emagrecimento refletirão na psique do paciente. Muitos deles, após a cirurgia, podem apresentar um quadro de insegurança ou ansiedade, que favorece a construção de crenças alimentares.
A função das crenças alimentares no pós-operatório da cirurgia bariátrica pode ser justificada a partir de determinados aspectos, tais como: se em um determinado momento da vida o obeso utilizou-se a camada adiposa para ser o recurso de mediação entre o desejo e o mundo, após o emagrecimento, o recurso utilizado é a crença; a presença de um elevado número de crenças no indivíduo que se submete a cirurgia é uma estratégia de se obter o controle sobre o incontrolável, e de manejar os medos frente a uma situação desconhecida; após a intervenção cirúrgica o paciente vivencia uma série de mudanças, sendo necessária sua adaptação, e uma significação da nova vivência, utilizando como estratégia as crenças alimentares.
É importante na avaliação psicológica a preparação e esclarecimento do paciente para as mudanças que se submeterá após a cirurgia bariátrica, propiciando recursos internos para que o sujeito tenha melhores condições psíquicas para vivenciar este momento de significativa transição em sua vida, possibilitando a diminuição de crenças no pós-operatório.
Deve-se também, antes da cirurgia, solicitar ao paciente expressar sobre os fatores motivadores, conscientes e inconscientes, para realização da gastroplastia, favorecendo uma maior conscientização da sua escolha pela cirurgia, como uma alternativa para a eliminação do excesso de peso.
Outro aspecto relevante é constatar a função do sintoma, a obesidade, no decorrer da história de vida do sujeito, auxiliando-o na percepção dos ganhos secundários com o adoecer, propiciando uma retificação subjetiva frente a sintomatologia e a vida,
Implicar o paciente no processo pré e pós-operatório é fundamental,    possibilitando-o a  abandonar a postura de queixante para uma posição de “implicado” com sua sintomatolologia.(Santos & Quayle; 2007), facilitando a sua adesão às orientações da equipe médica.
Conclui-se que as dificuldades e complexidade inerente ao processo de adaptação após a cirurgia bariátrica, e as mudanças decorrentes do emagrecer, se justifica pelo fato de impulsionar o indivíduo a se deparar com o novo, com os desejos e com a vida, gerando ansiedades e medos. Se o paciente não estiver preparado psicologicamente para o enfrentamento das novas vivências, pode ocorrer a substituição da obesidade por: outros sintomas, como a depressão, transtornos alimentares, compulsões; reganho de peso; e de surgimento exagerado de crenças. Conseqüentemente, é de extrema importância o tratamento psicológico para pacientes que se submeterem a cirurgia Bariátrica, uma vez que as exigências internas e externas, quase nunca são passíveis de serem vivenciadas sem um tratamento psíquico ético e coerente.













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