Anna
Claudia Queiroz; Mara; Niraldo Santos; Arthur Garrido; Marlene Monteiro; Claudia
Artigo
premiado na categoria DIP/ICHC, no V Congresso Interamericano de Psicologia da
Saúde: Psicanálise aplicada à terapêutica no hospital.
1-
INTRODUÇÃO
O interesse específico por
indivíduos que se submeteram a cirurgia bariátrica decorre do número, cada vez
maior, da utilização desta técnica para o tratamento da obesidade mórbida.
A cirurgia da obesidade é uma
intervenção considerada a mais eficaz para os casos em que os pacientes
apresentam risco de morte devido às complicações decorrentes do excesso de
peso. No entanto, os fatores psíquicos a serem observados na avaliação
pré-cirúrgica do paciente candidato à operação ainda são motivos de discussão
(Franques, 2006). Além disso, há escassa informação sobre as conseqüências
psicológicas decorrentes da realização do procedimento. Do ponto de vista
orgânico, o conhecimento científico tem se dedicado a avaliar e descrever o
impacto resultante da gastroplastia e suas conseqüências físicas (anemia,
carência vitamínica, entre outras). Dentre os fatores psicopatológicos
descritos como passíveis de serem observados em pacientes que se submeteram a
gastroplastia, de acordo com Marchesini (2002), outras problemáticas pode
emergir, como indivíduos com Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP)
antes da cirurgia, após a gastroplastia, apresentaram
outros tipos de transtornos de impulsos, tais como: compras compulsivas, jogos
compulsivos, abuso de substâncias psicoativas e álcool.
A obesidade pode ser definida
como uma doença crônica, de origem multifatorial, que se caracteriza pelo
excesso de gordura corporal. Dentre as várias hipóteses relacionadas a
etiopatologia, uma das mais discutidas atualmente relaciona a obesidade a um
estresse emocional contínuo, que leva à diminuição das concentrações de
neurotransmissores, como a serotonina nas sinapses nervosas, alterando o estado
de humor do indivíduo, e o levando a ingerir carboidratos, como possibilidade
de compensação da deficiência de neurotransmissores (Bicudo, 2001).
Segundo Loli (2000), as causas
da obesidade são definidas em sete modalidades: neuro-endócrinológica; genética;
inatividade física; dieta inadequada; farmacológica; ambiental; psiquiátrica e
psicológica.
Sob a ótica da psicologia, é
relevante enfatizar os aspectos desencadeadores da obesidade, e os conseqüentes
do sujeito apresentar o excesso de peso.
Em alguns casos, a obesidade
pode ser considerada como um mecanismo de defesa, ou seja, o tecido adiposo tem
como função ser a camada protetora frente ao mundo externo, “um muro de carne
entre si e os outros” (Kaufman, 2005). Quando o indivíduo tem a estrutura egóiga
fragilizada, e não apresenta recursos internos para lidar com o mundo externo e
interno (com suas próprias emoções), a “capa de gordura” passa ser a proteção
(Dahlke, 1996; Loli, 2000; Woodman, 1980).
Por outro lado, o alimento passa
a atender, não as necessidades nutricionais, mas as necessidades psíquicas. A
comida em excesso tem sido descrita como uma possibilidade de preencher um
“vazio interior”, abstrato, ou uma forma de compensação; ao se viver um
desprazer, come-se, pois a comida é uma fonte de satisfação (Dahlke, 1996;
Woodman, 1980).
As complicações da obesidade que
refletem no psiquismo do indivíduo são, segundo Woodman (1980): a dimensão
corporal do obeso limita os seus movimentos, levando-o a ter a sensação do
corpo como uma prisão; há uma perda da imagem corporal, pois é freqüente a incapacidade
de experimentar e olhar o próprio corpo; o isolamento social é evidente, pois o
obeso teme o contato com a sociedade, em função da discriminação,
principalmente pelo padrão de beleza atual ser a magreza; o medo de ser
rejeitado propicia o surgimento de uma postura de agradar demasiadamente o
outro, tornando-se o “gordinho simpático”; entre outras problemáticas,
decorrentes do excesso de peso.
Sob o aspecto físico, são
diversas as doenças associadas à obesidade, dentre as quais: derrame cerebral,
dislipidemia, hipertensão arterial, infarto do coração, varizes, gota,
osteoartrose, diabetes, cálculo biliar, apnéia do sono, distúrbio menstrual,
maior incidência de câncer. (Domene, s/d ).
Diante de tantas dificuldades,
sob os aspectos orgânicos e psicológicos, o obeso procura diversas formas de
solucionar sua problemática. Para Domene (s/d), existem duas possibilidades de
tratamento: não cirúrgico e cirúrgico. Os tratamentos não cirúrgicos incluem:
dietas alimentares, reeducação alimentar, modificações comportamentais,
medicamentos, atividade física e psicoterapia. Se após um determinado período o tratamento
clínico para obesidade não se obteve o resultado esperado, ou se houve excito,
porém posteriormente ocorreu o reganho de peso, a outra opção é a intervenção
cirúrgica.
Segundo Claudino & Zanella
(2005, p.287),
O tratamento cirúrgico da
obesidade mórbida é uma alternativa eficaz, embora radical, a ser empregada
quando falham os métodos clínicos tradicionais. Operações bariátricas surgiram
em 1951, na forma de derivações jejunoileais e evoluíram para diversas técnicas
atualmente disponíveis. Na década de 1990, tornaram-se difundidas e seguras,
apresentando bons resultados em longo prazo.
Os critérios clínicos que
recomendam a cirurgia ao paciente são: possuir IMC igual ou superior a 40 e que
sejam resistentes aos tratamentos convencionais; o paciente com IMC de 35,
portador de doença crônica associada e agravada pela obesidade. O IMC é
calculado dividindo o peso do indivíduo pela sua altura elevada ao quadrado. (Claudino
& Zanella, 2005).
Sumariamente, a cirurgia
bariátrica prevê o controle da obesidade através do procedimento cirúrgico. Os
tipos de cirurgia mais utilizados atualmente são: cirurgias restritivas,
visando à limitação de ingestão da comida (banda gástrica laparoscópica); cirurgia
dissabsortiva, que diminui a absorção dos nutrientes e das calorias dos
alimentos (cirurgia de Scopinaro); cirurgia combinada, que é a intervenção que
apresenta uma combinação variável, com componentes restritivos e dissabsortivos
(cirurgia Fobi-Capela). Esta técnica
consiste em associar à redução do reservatório gástrico (volume variando de 20
a 50 ml), juntamente com uma restrição ao seu esvaziamento pelo anel de contenção
(orifício menor que 1,5 cm), ocasionando um pequeno prejuízo na ingestão, e através
de uma derivação gástrica–jejunal, também se possibilita um efeito
dissabsortivo. (Domene, s/d ).
Tanto no período anterior à
cirurgia como as mudanças alimentares após a
gastroplastia, as crenças envolvendo a
alimentação tem sido freqüentemente relatadas, fato este que merece nossa
investigação. Para isto, faremos uma apresentação conceitual daquilo que
consideramos se tratar do “fenômeno da crença”.
Para o filósofo C.S.Peirce
(1839-1914), uma crença pode ser definida como uma rede de signos ou
representações (ícones, símbolos, etc.) estabelecida através de hábitos, que
são regularidades. As crenças estão pragmaticamente associadas a certas
práticas e ações. Sumariamente, a definição de crença envolve a formação de um
hábito, e vice-versa; e é algo que mobiliza o homem a agir, tornando-se um
costume. Para o autor, uma crença não necessita ser consciente. Quando se torna
consciente, o ato de reconhecimento torna a crença um julgamento. (Queiroz,
2005). Enfim, um hábito é constituído por premissas e inferências,
fundamentando uma crença, e esta norteia os desejos e a ação do ser
humano.(Pierce, 2008). Pode-se também definir
crença como “estado mental ou psicológico, de acreditar, e que servem para
expressar as causas que atribuímos aos nossos comportamentos” (Ramsey, apud
Diniz, 2004, p.29).
Para Liderman (1999) a crença é uma forma de
significar o mundo, com a finalidade de diminuir a ansiedade do sujeito frente
ao desconhecido, exercendo uma função controladora. Outra função diz respeito à
identidade social, e a necessidade de adotar uma determinada crença com a
função de se identificar com um grupo de referência.(Aarnio, 2004). As inclinações para algumas crenças podem estar
relacionadas com determinados eventos e a algumas transições na vida, muitas
vezes inesperadas, podendo ser negativas. É a teoria do manejo do medo (Solomon
apud Liderman, 1999).
Enfim, as condições de risco e
incertezas podem desencadear crenças e práticas mágicas, como tentativa de
controle sobre o incontrolável. (Keinam apud. Aarnio, 2004). As crenças podem
ser interpretadas como estratégias usadas com o objetivo de lidar com os
problemas e com situações que ameaçam também a saúde.(Wamsteker, 2005).
Crenças alimentares podem
influenciar as “práticas alimentares”. Trata-se de uma rede, de um complexo de
representações associado a práticas específicas estabelecidas por comunidades
de usuários. Por exemplo, “o consumo de chá verde é reconhecidamente benéfico
quando ingerido”. Sua ingestão é, portanto, a ingestão de benefícios. Esta rede
é contexto e histórico-dependente. A ingestão deste benefício está associada a
descobertas específicas de certas comunidades – como a comunidade científica,
em um certo período. A refutabilidade de teses e hipóteses pode promover, em
outro período, uma nova rede associada à prática
de ingestão de chá verde, alterando o sistema de crenças estabelecido. Para
alguns pesquisadores (e.g. Oakes, 2005a) esta rede pode tipologicamente ser
dividida em “sistema maléfico” versus
“sistema benéfico” de crenças. Um sistema maléfico produz um conjunto de
práticas maléficas ao usuário. Um sistema benéfico produz seu antagônico.
Outro aspecto a se considerar, é
a conexão da escolha de determinados alimentos e a compreensão dos processos
psíquicos envolvidos nessa escolha.
Quais questões estão envolvidas, que definem o sujeito a adotar uma
determinada postura alimentar, a rejeitar a ingestão de certas comidas (ex:
carne) ou a desenvolver alguns pensamentos mágicos sobre a comida (Oakes,
2005a).
Muitos pensamentos mágicos podem
ter base no mundo real, mas o que o diferencia da evidência cientifica é que é
amplamente exagerado. O pensamento mágico sobre alimento se baseia na lei de
contagio, muito presente nos vegetarianos, e de similaridade (Linderman,2000).
Um exemplo de crença mágica é que dieta inadequada pode levar a comida a
apodrecer no corpo.(Linderman,1999).
Observa-se que as crenças
alimentares estão mais presentes em indivíduos que apresentam problemas
relacionados ao peso, e que já realizaram dietas(O’Coonor, 2003). Porém, creditava-se
antes que a escolha dos alimentos estava intimamente ligada ao controle de
peso. Mas percebe-se também que a conduta alimentar pode revelar a identidade
do indivíduo e sua visão de mundo.(Oakes, 2005b). O prazer de comer é
substituído por razões ideológicas (Linderman,2000).
Há também à conceituação do
alimento, independente do conteúdo nutritivo.(Oakes, 2002).A comida passa a ter
um significado simbólico. Exemplo é a carne, que apresenta toda uma conotação
de poder e agressão, pois implica em abater o animal (Ross, 2001).
A psicanálise define crença como
representação. Segundo Hermann (1998), as representações têm uma função
defensiva, intrínseca aos atos psíquicos, que media o sujeito e seu desejo,
podendo se tornar uma função psíquica onipresente e uma espécie de obsessão. A
imersão em um sistema de crenças, de hábitos, termina por produzir um conjunto
específico de práticas.
A questão principal deste trabalho
é avaliar como a crença alimentar, após a cirurgia bariátrica, define o
comportamento alimentar do indivíduo operado, de selecionar ou rejeitar a
ingestão de determinadas comidas, de categorizar alguns alimentos como bons x maus, e em decorrência, ao
incorporar esta ideologia, deixá-lo vulnerável ao desencadeamento de alguns
transtornos alimentares (transtorno de comer compulsivo, bulimia, anorexia).
Além destes aspectos, tentaremos correlacionar a dinâmica do desejo visando
entender algumas psicopatologias que emergem após o emagrecimento, e o número
intenso de crenças alimentares existentes.
Enfim, compreender o impacto na
subjetividade do sujeito, decorrente de uma mudança significativa, a cirurgia
bariátrica, que se inicia com a mudança no aparelho digestivo (gastroplastia),
e posteriormente com vivencias inerentes ao processo de emagrecimento (mudança
da imagem corporal, excesso de pele, cicatriz das cirurgias plásticas).
2-
MÉTODO
Participou da pesquisa no total de 60
pacientes. A análise do critério de inclusão foi à realização da cirurgia há
mais de seis meses. A investigação
objetivou relacionar as crenças alimentares dos pacientes que se submeteram à
cirurgia bariátrica e o possível reflexo nos resultados do processo de
emagrecimento, e a postura alimentar do indivíduo após o ato cirúrgico. A
investigação realizada foi por meio de técnica não probabilística, intencional
e por conveniência. A participação dos sujeitos da amostra foi voluntária,
sendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo
foi aprovado pela Comissão Setorial de Ética em Pesquisas (COSEPE) da Divisão
de Psicologia do Instituto Central do HC/FMUSP.
Um dos instrumentos utilizados
foi um questionário fechado (desenvolvido pelos pesquisadores) contendo 35
perguntas com respostas de múltipla escolha. As perguntas são divididas por
duas partes distintas. A primeira etapa visa uma coleta de dados
sócio-demográficos, e a segunda parte está relacionada às dietas, regimes
alimentares já realizados, perda de peso, imagem corporal e métodos de
emagrecimento.
Além disso, foi utilizada a
escala de crenças alimentares e de saúde (MFH), que é um instrumento composto
por 18 perguntas, tendo por objetivo identificar e avaliar as possíveis crenças
alimentares dos sujeitos entrevistados, tanto as crenças mágicas gerais como a
de contaminação de alimentos e de personalidade através de produtos
animais. Também se utilizou a aplicação
de questionário aberto, visando uma análise qualitativa dos dados e uma
possível avaliação e interpretação dos resultados obtidos.
3-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os sujeitos investigados
foram submetidos à cirurgia bariátrica com a técnica combinada, “Cirurgia Fobi-Capela”.
A amostra foi constituída por, predominantemente, sujeitos do gênero feminino
(85%). A faixa etária predominante (67%) foi de 18 a 25 anos; dentre os que
apresentavam idade inferior a 18 anos, temos 7%, e com idade superior a 50 anos
tivemos 13% dos entrevistados. Quanto ao estado civil, 70% se declararam
casados, 27% solteiros e 3% separados. Com relação aos níveis de escolaridade,
30% tinham realizado o ensino médio
completo, e 12% o médio incompleto. A renda familiar que predominava era maior
de cinco salários mínimos, 23%, e os que possuíam um ganho de dois a três salários
mínimos, 17 %. Na avaliação do Índice de Massa Corpórea (IMC), a média
encontrada foi de 29 (o IMC menor foi de 19,09 e o maior 46,94). O peso máximo
apresentado pelos pacientes antes da realização da cirurgia da obesidade era
uma média de 123,72kg, sendo que a média predominante do peso da amostra, no momento
da realização da pesquisa, foi de 64,13kg, considerando que o tempo de
submissão à intervenção cirúrgica variava para cada paciente. Quando questionados a respeito de como
percebiam o peso atual, 67% dos entrevistados se consideravam com peso normal,
29% se sentiam “gordos” e 4% se viam “muito gordos”. Na investigação da
presença de diabetes ou disfunção da tireóide, apenas 10% responderam
afirmativamente sobre a existência destas enfermidades físicas.
Outro aspecto significativo a se considerar, foi à constatação que antes
da cirurgia bariátrica, 37% dos pacientes tentaram aproximadamente sete tipos
diferentes de tratamentos clínicos para obesidade, porém verificou-se que não
obtiveram resultados desejados, ou após o emagrecimento, tiveram reganho de
peso. Analisando os resultados acima, constatamos a eficiência da cirurgia para
pacientes que possuem uma obesidade que pode levar a óbito, pois se observou
que a média de emagrecimento do grupo foi de aproximadamente 60kg, havendo
também uma melhora no estado de saúde.
O questionário que investiga a
crenças alimentares, tanto a crença mágica e a possibilidade de contaminação
dos alimentos ou da personalidade através de produtos animais, apresentou os
resultados relacionados na tabela abaixo(tabela 1):
Você
pensa que
|
Discordo
completamente
|
Mais
discordo do que concordo
|
Nem
concordo nem discordo
|
Mais
concordo
do
que discordo
|
Concordo
completamente
|
Uma falta de equilíbrio na ingestão de
alimentos esta por trás de muitas doenças
|
3.33%
(2)
|
6,66%
(4)
|
15%
(9)
|
16.66%
(10)
|
56.66%
(34)
|
As cores mudam a vibração de energia de um
organismo de uma maneira que beneficia a saúde
|
6,66%
(4)
|
33%
(2)
|
30%
(18)
|
25%
(15)
|
35%
(21)
|
As plantas são seres vivos, cujos
potenciais de energia podem ser transmitidos aos seres humanos
|
10%
(6)
|
1.66%
(1)
|
18.33%
(11)
|
11.66%
(7)
|
68.33%
(41)
|
Ao massagear o ponto na sola do pé que
corresponde a um órgão doente, esse órgão será restaurado.
|
15%
(9)
|
10%
(6)
|
23.33%
(14)
|
23.33%
(14)
|
28.33%
(17)
|
Se não limparmos nosso corpo de algum
jeito, toxinas pouco saudáveis, permanecem dentro dele
|
13.33%
(8)
|
8.33%
(5)
|
10%
(6)
|
20%
(12)
|
48,33%
(29)
|
É bom desintoxicar o corpo de vez em
quando fazendo jejum.
|
20%
(12)
|
6,66%
(4)
|
18.33%
(11)
|
18.33%
(11)
|
35%
(21)
|
Uma doença deve ser tratada com remédios
que tenham propriedades similares às doenças
|
5%
(3)
|
5%
(3)
|
21.66%
(13)
|
26.66%
(16)
|
41.66%
(25)
|
Já que nossos corpos são 70% água,
deveríamos seguir uma dieta que tivesse aproximadamente 70% de água
|
16.66%
(10)
|
10%
(6)
|
35%
(21)
|
13.33%
(8)
|
25%
(15)
|
Uma dieta incorreta faz com que a comida
apodreça no corpo.
|
38.33%
(23)
|
6,66%
(4)
|
20%
(12)
|
13.33%
(8)
|
21.66%
(13)
|
A afirmação de que bebidas vermelhas
melhoram a hemoglobina é provavelmente verdadeira
|
23.33%
(14)
|
10%
(6)
|
10%
(6)
|
11.66%
(7)
|
20%
(12)
|
Eu ficaria aborrecido se um restaurante me
servisse comida que tivesse entrado em
contato com gordura animal, mesmo que ela tivesse sido completamente removida
|
43.33%
(26)
|
10%
(6)
|
23.33%
(14)
|
5%
(3)
|
18.33%
(11)
|
Me incomodaria comer comida
vegetariana que tivesse estado em
contato com um bife
|
18.33%
(11)
|
8.33%
(5)
|
18.33%
(11)
|
3.33%
(2)
|
15%
(9)
|
O sangue animal polui a comida
|
33,33%
(20)
|
5%
(3)
|
26.66%
(16)
|
8,33%
(5)
|
25%
(15)
|
Comida vegetariana fica estragada se
entrar em contato com carne
|
40%
(24)
|
6.66%
(4)
|
23.33%
14)
|
13,33%
(8)
|
16.66%
(10)
|
Ossos animais poluem a comida
|
43.33%
(26)
|
10%
(6)
|
23.33%
(14)
|
6.66%
(4)
|
16.66%
(10)
|
O consumo de carne faz com que as pessoas
se comportem agressivamente
|
51.66%
(31)
|
8.33%
(5)
|
23.33%
(14)
|
8.33%
(5)
|
8.33%
(5)
|
O consumo de carne embota o pensamento
|
58.33%
(35)
|
10%
(6)
|
23.33%
(14)
|
3.33%
(2)
|
5%
(3)
|
Comparada a comida vegetariana, o consumo
de carne desperta mais instintos animais nas pessoas.
|
55%
(33)
|
6.66%
(4)
|
25%
(15)
|
8.33%
(5)
|
5%
(3)
|
A-
Tabela 1 – Dados obtidos na aplicação da MFH .
Através das questões abertas, foi possível
verificar que grande parte dos pacientes apresenta dificuldades de ingerir
certos tipos de alimentos. A maior dificuldade descrita está relacionada à
carne, seguido pelo arroz.
Abaixo, apresentamos um gráfico
sinalizando os principais alimentos referidos como “difíceis de ingerir” e, por
vezes, recusados.(gráfico 1).
B-Gráfico
1- Alimentos difíceis de ingerir
Os dados que seguem são trechos
dos relatos dos pacientes, coletados a partir da entrevista aberta:
“Antes de
operar fui a um endocrinologista, ele me perguntou se realmente ia fazer esta
cirurgia, e que eu nunca mais comeria carne. Atualmente não consigo comer carne
vermelha, o frango e o peixe, eu me forço”. (SIC)
“Não como quase tudo. Tenho medo
de comer e vomitar. Acho que encher o estomago, principalmente com carne, a
comida vai ficar parada, não fazer a digestão, e apodrecer no meu
estomago”(SIC)
“Não como carne vermelha e
frango. Meu estomago não aceita”.(SIC)
“Eu não como: arroz, feijão,
carne vermelha e de frango. O estômago dói e eu vomito”.(SIC)
“Como de tudo, só vomito se como
em excesso tipos de carne vermelha, pois meu estomago não aceita”. (SIC).
Outro aspecto relevante de
se verificar nos relatos é que, ao se referirem a dificuldades de ingerir
alimentos, os pacientes mencionam o estomago, e não a si próprio. Após o ato cirúrgico, é freqüente a postura
de se compreender as mudanças do aparelho digestivo, decorrentes da cirurgia
bariátrica,. “O eu superinveste narcisicamente o local doloroso do corpo”
(Násio,1997, p.120), na tentativa de elaborar uma imagem, um retrato, de como
está o órgão que foi modificado após a intervenção médica.
As mudanças estruturais no
aparelho gastro-intestinal (a diminuição do tamanho do estomago; o
desvio intestinal; a colocação do anel de silicone) ocasiona no paciente que se submeteu a
gastroplastia um impacto significativo em sua psique, justificando o elevado
número de crenças alimentares no pós-operatório. .
Observando a tabela das crenças alimentares após cirurgia bariátrica,
constatou-se um exagero no número de afirmações nas crenças (considerando os
itens “mais concordo do que discordo” ou “concordo plenamente”.) Os números
obtidos foram: uma falta de equilíbrio na ingestão de alimentos esta por trás
de muitas doenças, 73,32%; as cores mudam a vibração de energia de um organismo
de uma maneira que beneficia a saúde, 60%; as plantas mudam a vibração de
energia de um organismo de uma maneira que beneficia a saúde, 79,99%; ao
massagear o ponto na sola do pé que corresponde a um órgão doente, esse órgão
será restaurado, 51,66%; uma dieta incorreta faz com que a comida apodreça no
corpo, 34,99%; se não limparmos nosso corpo de algum jeito, toxinas pouco
saudáveis, permanecem dentro dele, 68,33%; é bom desintoxicar o corpo de vez em
quando fazendo jejum, 53,33%; uma doença deve ser tratada com remédios que
tenham propriedades similares às doenças, 68,32%; já que nossos corpos são 70%
água, deveríamos seguir uma dieta que tivesse aproximadamente 70% de água,
38,33%; a afirmação de que bebidas vermelhas melhoram a hemoglobina é
provavelmente verdadeira, 31,66%; eu ficaria aborrecido se um restaurante me
servisse comida que tivesse entrado em
contato com gordura animal, mesmo que ela tivesse sido completamente removida,
18,33%; me incomodaria comer comida vegetariana
que tivesse estado em contato com um bife, 18,33%; o sangue animal polui
a comida, 33,33%; comida vegetariana fica estragada se entrar em contato com
carne, 29,99%; ossos animais poluem a comida, 13,33%; o consumo de carne faz
com que as pessoas se comportem agressivamente, 16,66%; o consumo de carne
embota o pensamento, 8,33%; comparada à comida vegetariana, o consumo de carne
desperta mais instintos animais nas pessoas, 13,33%.
Analisando o elevado índice de
concordância em relação às crenças alimentares a partir do instrumento MFH, em
pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica, quais são realmente os
motivos que os levam a ter tantas crendices e pensamentos mágicos no
pós-operatório?
As
crenças emergem a partir de determinados eventos e de transições na vida, visando manejar o medo frente a uma
situação desconhecida, e a cirurgia bariátrica é uma intervenção que resulta em
muitas transformações na vida do sujeito, geradora de muitas incógnitas,
contribuindo para construção das crenças alimentares.
Contraditoriamente, observa-se
que a crença com relação à ingestão de carne é baixa comparada aos demais
itens, constatando-se que não há muitos pensamentos mágicos relacionados ao seu
consumo, que é muito comum, por exemplo, entre os vegetarianos.Porém, a maior
dificuldade relatada pelos pacientes após a cirurgia é a dificuldade de comer
carne. Esta contradição sinaliza que o
fato de apresentar uma diminuição da ingestão de carne não é conseqüência de
ideologias relativas a este gênero alimentício, e sim decorrentes das
modificações na estrutura física do paciente após a gastroplastia, como a diminuição do estomago, dificultando a sua
assimilação e elaboração psíquica, mobilizando-se medo. Conseqüentemente, uma
possível estratégia, visando lidar com o desconhecido, é o surgimento de
crenças alimentares. A partir de então, não se come carne, ou muitos relatam
mastigar e depois cuspir.
Muitos
médicos se referem à possibilidade de complicações na ingestão de determinados
alimentos, como a carne, principalmente quando não mastigada adequadamente. A
crença se baseia em informações do mundo real, mas se diferencia das evidências
científicas, pois é amplamente exagerada.
Após o emagrecimento, ocorre uma
melhora sob o ponto de vista médico, o que não corresponde de forma equivalente
à preparação psíquica do sujeito para viver as modificações significativas
inerentes à cirurgia e posteriormente ao emagrecimento.
Observa-se freqüentemente que
alguns pacientes após o emagrecimento desenvolveram problemas psíquicos, como:
depressão, transtorno bipolar, síndrome do pânico, até mesmo tentativa de
suicídio. Antes da cirurgia, “a
obesidade era apontada como fator que justificava uma série de impedimentos na
obtenção de sucesso na vida afetiva e profissional. Após a cirurgia, com o
emagrecimento, os pacientes ‘perdem’ a base de sua argumentação que fundamentava
as referidas impossibilidades. Com a perda dos ganhos secundários que se
obtinha com a obesidade ocorre o
aumento das exigências, geradoras de vivências psíquicas novas, que culmina num
alto grau de ansiedade para a efetivação de sucesso, podendo-se desencadear
crises psicológicas”.(Queiroz & Santos, 2005, p.81).
A cirurgia é um evento marcante
na vida do sujeito, que implica uma série de mudanças e a necessidade de
adaptação a cada etapa vivida no pós-operatório. Como salientado anteriormente,
após mudanças significativas é comum observar certas inclinações para uma
ideologia ou crença. É um recurso para significar e compreender algumas
situações de difícil elaboração. O numero elevado de crenças alimentares após a
gastroplástia vem cumprir essa função psicológica, sendo um recurso para lidar
com os medos, e uma tentativa de controlar o incontrolável.
Segundo Hermann, como mencionado
anteriormente, as crenças têm a função de mediar o sujeito e o desejo. Ao
emagrecer, o sujeito perde a “capa de gordura”, que possivelmente era o
elemento que fazia mediação entre ele e o desejo, paralisando-o frente à vida.
Assim, se a crença é uma representação, com a função defensiva, que “protege” o
sujeito de seu desejo, após a cirurgia bariátrica, ocorre uma substituição da
camada adiposa pelas crenças alimentares.
Ao passar a acreditar em algumas
idéias, como não conseguir comer carne, ou a melhor forma de se comer arroz, há
todo um investimento nestes objetos, desviando a atenção dos próprios desejos.
O desencadear de outros sintomas e
adoeceres no pós-operatório, também são formas de paralisar o sujeito, como a
depressão, que “é uma falha em relação à saúde,... e os próprios sujeitos a
percebem em uma dimensão de demissão,... de renuncia ante a luta” (Soler, 2003,
p.74) e as exigências da vida.
Desta forma,
quando o obeso procura um cirurgião e solicita a cirurgia bariátrica,
inscreve-se nas “entrelinhas” um pedido de mudança.Porém, por não possuir
recursos internos suficientes para realizar a modificação desejada, o sujeito solicita
uma intervenção externa, como a cirurgia bariátrica.A necessidade de modificar
o estilo de vida é observada quando se opta pela realização da operação. O
problema é que muitas vezes o paciente não se encontra preparado para
vivenciá-las. Na realidade, continua o movimento de esconder e fugir dos
desejos e da vida, não mais se utilizando a camada adiposa como recurso de
proteção e sim de outras problemáticas.
A perda de peso e as mudanças
decorrentes da cirurgia bariátrica, tanto podem fazer com que sintomas
psíquicos fiquem ainda mais evidentes nos sujeitos operados, como também podem
impulsioná-los a buscar novas estratégias de enfrentamento de situações antes
paralisadoras. O impacto causado na subjetividade do sujeito ao realizar a
cirurgia bariátrica é significativo, iniciando com a mudança do aparelho
digestivo (gastroplastia), e posteriormente, com vivências inerentes ao
processo de emagrecimento (mudança na imagem corporal; excesso de pele;
cicatriz das cirurgias plásticas). É o momento de se reconstruir novas
referências, e de resignificar como ser na sociedade, não mais como o”gordo”.
Muitos não elaboram tantas transformações, justificando muitas vezes o reganho
de peso ou a substituição do sintoma por outra doença ou compulsão, ou o
aparecimento exagerado de crenças alimentares, que facilitam o emergir de
alguns transtornos alimentares, como a anorexia ou bulimia. .
4-
CONCLUSÃO
De acordo com estatísticas
realizadas em diversos países, inclusive na população brasileira, o número de
obesos aumenta consideravelmente, incluindo
o número de obesos mórbidos. Conseqüentemente, o número de cirurgias
bariátricas vem se intensificando, uma vez que esta modalidade de intervenção é
a única considerada eficaz para os casos em que o paciente apresenta risco de
morte devido às complicações do excesso de peso.
Os resultados obtidos com este
estudo apontam que a média da perda de peso é de, aproximadamente 60kg, após a
intervenção cirúrgica. As comorbidades relacionadas à obesidade, como a diabete,
estavam presentes em apenas 10% da população estudada, fazendo-nos inferir que
a perda de peso após a cirurgia resultou em uma melhora na condição clínica dos
pacientes do grupo.
Sob o ponto de vista médico, a
cirurgia é a melhor opção. Mas é importante salientar que as mudanças
decorrentes do emagrecimento refletirão na psique do paciente. Muitos deles,
após a cirurgia, podem apresentar um quadro de insegurança ou ansiedade, que
favorece a construção de crenças alimentares.
A função das crenças alimentares
no pós-operatório da cirurgia bariátrica pode ser justificada a partir de
determinados aspectos, tais como: se em um determinado momento da vida o obeso
utilizou-se a camada adiposa para ser o recurso de mediação entre o desejo e o
mundo, após o emagrecimento, o recurso utilizado é a crença; a presença de um
elevado número de crenças no indivíduo que se submete a cirurgia é uma
estratégia de se obter o controle sobre o incontrolável, e de manejar os medos
frente a uma situação desconhecida; após a intervenção cirúrgica o paciente vivencia
uma série de mudanças, sendo necessária sua adaptação, e uma significação da nova
vivência, utilizando como estratégia as crenças alimentares.
É importante na avaliação
psicológica a preparação e esclarecimento do paciente para as mudanças que se
submeterá após a cirurgia bariátrica, propiciando recursos internos para que o
sujeito tenha melhores condições psíquicas para vivenciar este momento de
significativa transição em sua vida, possibilitando a diminuição de crenças no
pós-operatório.
Deve-se também, antes da
cirurgia, solicitar ao paciente expressar sobre os fatores motivadores,
conscientes e inconscientes, para realização da gastroplastia, favorecendo uma
maior conscientização da sua escolha pela cirurgia, como uma alternativa para a
eliminação do excesso de peso.
Outro aspecto relevante é
constatar a função do sintoma, a obesidade, no decorrer da história de vida do
sujeito, auxiliando-o na percepção dos ganhos secundários com o adoecer,
propiciando uma retificação subjetiva frente a sintomatologia e a vida,
Implicar o paciente no processo
pré e pós-operatório é fundamental, possibilitando-o a abandonar a postura de queixante para uma
posição de “implicado” com sua sintomatolologia.(Santos & Quayle; 2007),
facilitando a sua adesão às orientações da equipe médica.
Conclui-se que as dificuldades e
complexidade inerente ao processo de adaptação após a cirurgia bariátrica, e as
mudanças decorrentes do emagrecer, se justifica pelo fato de impulsionar o
indivíduo a se deparar com o novo, com os desejos e com a vida, gerando
ansiedades e medos. Se o paciente não estiver preparado psicologicamente para o
enfrentamento das novas vivências, pode ocorrer a substituição da obesidade
por: outros sintomas, como a depressão, transtornos alimentares, compulsões; reganho
de peso; e de surgimento exagerado de crenças. Conseqüentemente, é de extrema
importância o tratamento psicológico para pacientes que se submeterem a
cirurgia Bariátrica, uma vez que as exigências internas e externas, quase nunca
são passíveis de serem vivenciadas sem um tratamento psíquico ético e coerente.
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