sexta-feira, 14 de agosto de 2015

VISÃO ORGANICISTA DA DOENÇA MENTAL E A ANTIPSIQUIATRIA















Quando procura se definir a Doença Mental, encontram-se diversos obstáculos, dificuldades e uma certa controvérsia a respeito dessa questão.
Muitos estudiosos procuraram estabelecer um conceito do que é um indivíduo psicótico, procurando diferenciá-lo do indivíduo com comportamento normal e neurótico.
COLEMAN (1973) considera o comportamento anormal como resultado de uma grave descompensação de personalidade, refletindo uma deformação da realidade e a perda de contato com esta.
Se, ao tentar definir a Doença Mental encontrar uma certa dificuldade, ao estabelecer a sua etiologia, os obstáculos e controvérsias são mais atenuantes.
Porém, os fatores etiológicos atualmente apresentam mais facilidades de serem comprovados amiúde, principalmente, quando são fatores de origem organocerebrais.
Alguns fatores considerados relevantes, porém não diretamente causais, para o estabelecimento de comportamento anormal no indivíduo são:
}              a lesão cerebral;
}              a hereditariedade;
}              a situação de stress;
}              os traumas infantis e os problemas na formação psíquica do indivíduo (processo de identificação).

De acordo com a causa da origem da Doença Mental pode-se estabelecer uma classificação para a mesma.   Quando a perturbação psicótica apresenta uma patologia orgânica identificada no sistema nervoso central (SNC), ela é denominada psicose orgânica.  Quando não se descobre uma base orgânica específica para a perturbação, pode-se denominá-la psicose funcional, onde se consideram duas classes de perturbações, as reações esquizofrênicas e as reações afetivas. (MARTIN, 1977)
“Define-se a Doença Mental com os mesmos métodos conceituais que a doença orgânica, se isolam e se reúnem sintomas psicológicos como os sintomas fisiológicos, é porque antes de tudo, se considera a doença, mental ou orgânica, como uma essência natural manifestada por sintomas específicos”. (FOUCALT, 1968, p. 13).

Os sintomas apresentados pelo psicótico diferenciam-se do neurótico, à medida que existem graus crescentes de desorganização ou descompensação.  A perturbação psicótica apresenta um elevado grau de descompensação da personalidade, ocorrendo a inviabilidade de um contato com a realidade e uma problemática nas relações interpessoais.
Freqüentemente, os psicóticos apresentam determinados sintomas, como:
}              excitação;
}              deformação perceptual;
}              perturbação motora;
}              hostilidade;
}              retardamento nos pensamentos e apatia;
}              intropunitividade angustiada;
}              projeção paranóica;
}              desorientação;
}              desorganização conceitual;
}              ausência de culpa;
}              impulsividade;
}              busca de estímulo;
}              baixa tolerância à frustração;
}              incapacidade para manter relações.

Partindo-se da premissa que a Doença Mental é vista como uma ruptura psico-orgânica, os tratamentos existentes baseiam-se, fundamentalmente, numa intervenção química, física e na psicoterapia.
A Psicofarmacoterapia visa o tratamento para distúrbios psicóticos agudos e para reabilitação de doentes crônicos.
No início da década de 50, o cirurgião LABORIT apud SILVEIRA (2001) descobriu uma substância próxima dos antialérgicos que levava a uma “desconexão cerebral”, produzindo uma “hibernação artificial”.   Essa substância foi denominada “Chlorpromazina”.  Porém, o grande inconveniente da quimioterapia é o efeito colateral dos medicamentos.
Os psicofármacos freqüentemente utilizados são:
}              hipnóticos e sedativos;
}              tranqüilizantes ou ansiolíticos;
}              neurolépticos ou antipsicóticos;
}              timolépticos ou antidepressivos;
}              psicoestimulantes ou psicanalépticos;
}              psicodislépticos ou alucinógenos.

Outra terapia utilizada e indicada para melancolias e catatonias é a Terapia do Eletrochoque.   Em 1928, CERLETTI apud SILVEIRA (2001) procurou uma forma de conseguir que os esquizofrênicos tivessem crises epilépticas.  Ao visitar um matadouro de porcos, em Roma, verificou que antes de serem abatidos, estes eram submetidos a choque e que logo após apresentavam crises convulsivas. 
CERLETTI, então, concluiu que poderia provocar uma convulsão no ser humano por corrente transcerebral, sem matá-lo.   Surge, assim, a Terapia do Eletrochoque que é a indução de um ataque convulsivo epiléptico a partir de uma descarga elétrica.  
Supunha-se que através do eletrochoque podia-se estimular o transmissor do hipotálamo, possibilitando uma ajuda ao tratamento de pacientes que são refratários a medicamentos antidepressivos e que apresentam perigo de vida, como por exemplo, a tentativa de suicídio.
Outro tratamento existente é o Choque Hipoglicêmico ou Coma Insulínico (Método de SAKEL), que induz o indivíduo ao coma por um período de 30 a 40 horas.
A Insulinoterapia é indicada para os indivíduos com tendência regressiva, como os esquizofrênicos juvenis, e para quem tem resistência aos psicofármacos.
O eletrochoque e o coma insulínico levam o paciente a uma profunda regressão fisiológica e psicológica.  Conseqüentemente, as funções psíquicas superiores são “apagadas”, permitindo, segundo seus adeptos, uma reconstrução sadia da estrutura psicológica do paciente.
Outra opção de tratamento para os doentes mentais dentro do modelo médico é a Lobotomia.  
Criada por MONIZ apud SILVEIRA (2001), em 1936, essa intervenção seccionava as fibras nervosas que ligam os lóbulos frontais às partes subjacentes do cérebro.  O objetivo é obter o alívio para os sintomas mentais, principalmente, em pacientes que apresentam idéias fixas e comportamentos repetitivos, como os esquizofrênicos agudos.
Porém, muitos dos tratamentos mencionados anteriormente, normalmente, ainda são utilizados quando o doente é internado em um hospital (eletrochoque, insulinoterapia). 
Muitos psicóticos necessitam de internação em hospital psiquiátrico, principalmente quando estão em surto.
DAMETTO (1981) propõe para os pacientes internados, algumas práticas que os auxiliarão na melhoria do seu comportamento perturbado.  É relevante a praxiterapia, visando facilitar ao paciente uma ligação com a realidade e a conscientização de suas capacidades e dificuldades reais.  A organização de grupos operativos no hospital, também é importante, com o objetivo de se trabalhar com os problemas apresentados por qualquer membro participante, propiciando aos pacientes opinarem com relação à rotina hospitalar.
Outra terapia realizada, freqüentemente com psicóticos, internados ou não, é a Psicoterapia que tem por objetivo:
“... reequipar o paciente para que ele possa retomar sua vida, juntar tudo o que tem de sadio”. (DAMETTO, 1981, p. 75)

No decorrer do processo terapêutico, DAMETTO (1981), sugere verificar, não os sintomas, mas, sim a capacidade de o doente conviver com os seus familiares, consigo mesmo e com suas tarefas.
Porém, a atitude interna do terapeuta é relevante, pois:
“...o terapeuta, tendo como principal instrumento de trabalho, sua personalidade, tem tais ou quais reações frente ao doente, baseadas em suas próprias vivências internas....  Infelizmente, os psiquiatras ... estão impregnados de idéias preconcebidas.  Há muitos rótulos para as doenças e pouca visão para o doente”. (DAMETTO, 1981, p. 55).
Este fator impossibilita, freqüentemente, o tratamento psicoterápico de obter resultados promissores.  É relevante na Psicoterapia  trabalhar a parte sadia do paciente e esquecer a doente.
As psicoterapias podem ser:
}              individual;
}              em grupo,
}              ou familiar.

A diretriz da Psicoterapia será de acordo com a abordagem adotada pelo psicoterapeuta:
}              psicanálise;
}              junguiana;
}              comportamental;
}              centrada no cliente;
}              gestalt e,
}              outras.

Existe uma crítica acentuada à visão organicista da doença mental, como também, da sua forma de classificação, dos sintomas e dos tratamentos defendidos pela Psiquiatria tradicional.
Divergindo a Psiquiatria, a Antipsiquiatria alega que
“...a patologia mental exige métodos de análise diferentes daqueles da patologia orgânica”. (FOUCAULT, 1968, p. 17)

A Antipsiquiatria vê a Doença Mental como um sintoma de uma crise microssocial:
“...constitui um modo mais ou menos característico do comportamento grupal perturbado, não existe esquizofrênico”. (COOPER, 1973, p. 47)

Para a Antipsiquiatria, a causa da origem da Doença Mental é a ditadura familiar a qual o indivíduo está submetido, normalmente assumindo um falso “eu”, visando satisfazer o grupo social.  A negação da autenticidade gera um constante conflito.  A não concretização da verdadeira identidade torna o indivíduo confuso e contraditório, manifestando sintomas.  Os atos contraditórios são o reflexo das contradições do grupo, pois a família, freqüentemente caracteriza-se por duplo vínculo.
Segundo a Antipsiquiatria, os sintomas  são formados de protestos confusos.  É a negação do que o nega como ser humano autêntico.  Apresentando comportamentos que fogem dos padrões normais, o indivíduo é “etiquetado” e excluído da sociedade contraditória.
Partindo dessa premissa, a antipsiquiatria esquematizou um tratamento, visando permitir ao psicótico realizar a sua “viagem através da loucura”, que é o caminho utilizado pelo doente mental na busca da sua verdadeira identidade, que foi negada pelo grupo social.  Há uma desestruturação dos esquemas alienados da vida cotidiana para reestruturar em bases sólidas e pela vivência do próprio indivíduo.
Alguns antipsiquiatras realizaram algumas reestruturações nos hospitais psiquiátricos e mudanças no tipo de tratamento ao doente mental.
Na Itália, BASAGLIA (1985) extinguiu, gradativamente os setores fechados do hospital Gorizia e com os mecanismos tradicionais de controle a partir de 1961.   Modificou o processo de admissão do paciente e a sua estada dentro do hospital.
Em Londres, LAING apud DUARTE (1986) elaborou centros alternativos, onde a vida comunitária era livre.  Pacientes e enfermeiros participavam ativamente da comunidade.   Propiciou ao paciente, um espaço onde ele podia chegar tranqüilamente ao limite de seus delírios, realizando sua “viagem mental”, sem intervenções físicas ou químicas.
Em janeiro de 1962, COOPER apud DUARTE (1986) organizou a “Vila 21”, na Inglaterra.  A vila possuía, pacientes, diagnosticados como esquizofrênicos.  Não eram invalidados ou isolados quando do seu ingresso à Vila 21.    Eliminou-se a hierarquização formal e extinguiu-se, parcialmente, a distância entre pacientes e funcionários.
MOFFAT, 1984, adaptou a Antipsiquiatria à realidade da Argentina, na comunidade popular de Penã.  Aí, foram criados eventos que visavam extinguir a ociosidade dos pacientes, que readquiriram gradativamente a noção do tempo.
As diversas alternativas de tratamento ao doente mental  são questionadas e modificadas constantemente, porém de forma isolada.  Deve-se verificar qual o melhor caminho para se atingir resultados significativos no tratamento.
É relevante conhecer as várias abordagens referentes à origem e o tipo de tratamento psicótico, possibilitando a ampliação de opções na escolha do tratamento a ser realizado com o paciente.