sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O pós operatório da cirurgia bariátrica: quando o que se perde vai além do peso

     Anna Claudia Queiroz
             Alba Lucia Reyes de Campos
O tratamento cirúrgico da obesidade mórbida é uma alternativa cada vez mais utilizada, devido a sua eficácia com relação à perda de peso. Após a intervenção cirúrgica, freqüentemente, ocorre o sucesso na redução do peso e uma melhora do comportamento alimentar e na qualidade de vida dos pacientes. Do ponto de vista psicológico, a gastroplastia exige do sujeito importantes adaptações e mudanças, referente a hábitos alimentares e cuidados corporais, e na atitude frente à família e nas relações sociais. A psicologia, nestes casos, tende a obter maior eficácia, quando consegue diagnosticar com maior precisão, os períodos críticos do paciente após a cirurgia bariártrica.
As comorbidades relacionadas à obesidade (como diabetes, hipertensão, entre outros), em muitos pacientes desaparecem, fazendo-nos inferir que a perda de peso após a cirurgia resultou em uma melhora na condição clínica dos pacientes operados.
Sobre os aspectos psicológicos, após a intervenção cirúrgica e o emagrecimento, as pesquisas existentes apresentam resultados diferenciados, levando-nos a questionar quais as possíveis variáveis existentes que possibilitam estas divergências, no que diz respeito ao estado psíquico do sujeito.
Segundo Franques (2002), o paciente vive momentos psíquicos diferentes, de acordo com o tempo que foi realizado a cirurgia.
No primeiro mês, há uma desestabilização emocional decorrente das seguintes vivencias: a dor em função da intervenção cirúrgica; a fase da dieta liquida, portanto há uma restrição física e alimentar, perdendo-se também a autonomia. Enfim, o paciente se encontra inseguro e com muitas expectativas nesta etapa, e o emagrecimento ainda não é visível.
Após o primeiro mês, quando se introduz a alimentação sólida, é quando se inicia a adaptação à nova estrutura física (bolsa gástrica reduzida, modificações no percurso intestinal). O paciente está normalmente inseguro com relação a sua alimentação, com medo de “entalar” e de romper os pontos. O emagrecimento nesta fase é visível.
Após este momento, do sexto ao oitavo mês, a perda de peso é evidente, aproximadamente 30% é eliminado, resultando num estado de euforismo, que é denominado por Franques (2002) a fase lua-de-mel .O paciente apresenta maior disposição, pois já consegue cruzar as pernas, comprar roupas em lojas consideradas “normais”, e realiza atividades antes impossíveis. Neste instante apresenta maior sociabilidade e segurança. O aumento da auto-estima pode se refletir em uma postura de se achar auto-suficiente, desenvolvendo alguns pacientes um quadro de hipomania.
Depois de dois anos há o retorno ao estado psíquico basal. Se os problemas que estavam “camuflados na capa de gordura”, não forem trabalhados em psicoterapia, emergem, com muita intensidade, levando a quadros sérios de transtornos psiquiátricos (Franques,2002).
De acordo com Hsu e cols (s/d), após a cirurgia, ocorre o sucesso na redução do peso e uma melhora do comportamento alimentar. Esta observação se dá, no período imediato pós cirurgia, pois após três anos pode haver reganho do peso.
Outras problemáticas podem surgir após a cirurgia, como alguns tipos de transtorno de impulso: compras compulsivas; jogos compulsivos; abuso de substâncias psicoativas e álcool (Marchesini 2002).
O desencadear de outras compulsões, após a cirurgia, se deve ao fato dos pacientes apresentarem Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), antes de operar e com a diminuição do aparelho digestivo e a impossibilidade de ingerir muito alimento, deslocam a compulsão para outras atividades.
Há indivíduos incapazes de conter a compulsão, e desenvolvem o hábito de cuspir ou vomitar os alimentos, desencadeando Bulimia Nervosa. O limite imposto pela cirurgia pode se refletir em um cardápio em que predominam alimentos calóricos e pastosos (leite condensado, milk shake, etc) ou comer repetidas porções durante o dia, desenvolvendo TCAP.
Segundo Marchesini (2002), há uma correlação entre o psiquismo e a perspectiva biológica e alimentar. A fome, o apetite e o impulso de comer envolvem circuitos neurais complexos, denominados neurostransmissores.
Após a cirurgia, com a diminuição da bolsa gástrica, refletindo-se no padrão alimentar, ocorre uma interferência na química do cérebro. A dieta rica em carboidrato libera l-triptofano, substância que regula a serotonina e conseqüentemente o estado emocional do indivíduo. Observa-se em muitos pacientes a ingestão seletiva de carboidratos. A alimentação é uma possibilidade de correção fisiológica, visando à regulagem dos neurotransmissores, segundo Marchesine, (2002).
Alguns pacientes desenvolvem o aparecimento do transtorno alimentar denominado roedor perpétuo, que se caracteriza pela ingestão de carboidrato industrializado, cru, o dia inteiro, e que tem a marca de fazer barulho no ato de mastigar. Outros possíveis problemas que podem ser desencadeados após a cirurgia, decorrentes da alteração dos neurostransmissores, são: depressão, hipomania e outros transtornos alimentares (Anorexia, Bulimia, TCAP).
Pode haver o comprometimento nos componentes da imagem corporal. A dificuldade de percepção do corpo se reflete no pensamento, no afeto e no comportamento do paciente.
A opção, quando o paciente apresentar um transtorno do comer compulsivo, após a cirurgia seria: “que não mais a comida seja o remédio, mas que o remédio seja o remédio”. (Marckesine, 2002).
Segundo Queiroz & Santos (2005), antes da cirurgia, a obesidade justificava uma série de impedimentos na obtenção de sucesso na vida afetiva e profissional. Com o emagrecimento e a perda da base de argumentação que fundamentava as impossibilidades frente à vida e ao mundo, o indivíduo se defronta com vivências psíquicas novas, levando a perdas: de peso; de ganhos secundários; do direito de se acomodar na vida profissional e na vida pessoal. Há o aumento na exigência para estabelecer novos laços afetivos e na expectativa do campo profissional. Após a cirurgia ocorre a perda do direito de comer em excesso e a perda dos ganhos secundários que se obtinha com a obesidade.
Ao se construir uma série de exigências, que culminam com um alto grau de ansiedade para a efetivação do sucesso, podem-se desencadear crises psicológicas. Frente à impossibilidade de ingerir alimentos como antes, ocorre o investimento excessivo em outras atividades, visando o alívio de tensão ocasionado pela ansiedade, denominado desafetação (Loli; 2002). A marca da compulsão se caracteriza pela postura excessiva do comprar, beber e jogar.
Na pesquisa de Powers e cols (1999) observou-se em 116 pacientes, estudados por 10 anos, após a cirurgia gástrica restritiva que 52% apresentam episódios bulímicos; 16% apresentam transtorno da compulsão alimentar periódica; 10% síndrome do comer noturno. Outras complicações psiquiátricas: anorexia nervosa, abuso de dependência de substâncias químicas e relatos de suicídio.
Guisado e cols. (2002) constataram somatização, principalmente em mulheres; comportamento obsessivo-compulsivo; depressão; ansiedade; hostilidade; fobias; idéias paranóides e dificuldades nas relações interpessoais.
Segundo os pesquisadores, os pacientes com obesidade mórbida são considerados, sempre, pessoas diferentes, pois não possuem a disciplina dos hábitos alimentares semelhantes ao resto da população. Conseqüentemente, a percepção das problemáticas psiquiátricas na avaliação psicológica, e sua evolução, possibilitam conseguir um bom resultado após a cirurgia. Pois se verificou, na pesquisa, que 40% dos pacientes com diagnósticos psiquiátricos após a cirurgia bariátrica, 55% tinham antecedentes de distúrbios psiquiátricos, antes da operação.
Mykonj & Iokn (1986), salientam que as pessoas obesas apresentam mais problemáticas psicológicas, maior incidência de transtorno de humor e transtorno de ansiedade que a população em geral. Conseqüentemente, os transtornos que emergem após a cirurgia não são em decorrência da intervenção. Na realidade, são características inerentes à psique basal do indivíduo.
Também Black e cols. (1992) afirmam que a imensa maioria de pacientes obesa mórbida chega à cirurgia trazendo alterações emocionais.
Sob o ponto de vista psíquico, encontramos pesquisas que salientam grandes possibilidades de melhora da qualidade de vida para o paciente operado de gastroplastia. 
Nesse sentido, a pesquisa de Larsen & Torgersen (1988), constatou após a operação e a diminuição de peso, que os pacientes estavam: menos “neuróticos”, com maior controle sobre suas vidas, com maior sociabilidade, com aumento da auto-estima e com menos medo de se expor.
Vilela (2004), na Universidade da Bahia, identificou nos resultados pós-cirurgia uma significativa melhora na qualidade de vida, nos aspectos da saúde em geral e na capacidade funcional. Uma progressiva melhora nas condições físicas dos pacientes, que fizeram a cirurgia nos últimos 12 meses, utilizando a técnica Fobi- Capella, se reflete na melhora psicológica.
A pesquisa realizada por Queiroz; Santos e outros (2006) visou constatar e avaliar a qualidade de vida e a presença de sintomas psíquicos em pacientes pós-cirúrgicos, em comparação ao estado anterior referido pelos mesmos. O método utilizado foi o estudo transversal, com a utilização de questionário desenvolvido pelos pesquisadores contendo 42 itens. Foram incluídos 70 pacientes que haviam se submetido à cirurgia bariátrica. Dos pacientes investigados: 81% eram do gênero feminino; 50% possuíam idade entre 41 e 60 anos; 65% casados e 33% referiram ter concluído ensino médio; 65% dos pacientes possuíam tempo de cirurgia entre 2 e 4 anos;  o método “Capela” foi utilizado em 90% dos pacientes.  Na ocasião do procedimento cirúrgico 76% dos pacientes possuíam IMC acima de 41 (destes, 18% apresentavam IMC entre 51 e 60).  No momento do estudo, 68% apresentavam IMC entre 21 e 30 e apenas 4% estavam inseridos na faixa de 41 a 50 (IMC).
Os resultados com relação aos sintomas psíquicos estão apresentados na tabela 1
Sintomas psíquicos
Pré - operatório
Pós - operatório
Depressão
58%
26%
Ansiedade
88%
43%
Comer compulsivo
86%
18%
                                                            Tabela 1
Ao observar o nível elevado de depressão e ansiedade antes da cirurgia, fica evidente o quanto a obesidade, numa sociedade que exige um corpo esbelto, é geradora de angústia.
Foi relevante a aderência ao tratamento psicoterápico pós cirurgia: 42% realizaram algum tipo de acompanhamento psicológico e 25% acompanhamento psiquiátrico, apesar destes serviços serem oferecidos apenas de forma particular e convênio.
 Quando perguntados como avaliam a cirurgia da obesidade, apenas 4% apresentaram respostas negativas.
A conclusão dos pesquisadores foi que a perda de peso e as mudanças decorrentes da cirurgia bariátrica, tanto podem fazer com que sintomas psíquicos fiquem ainda mais evidentes nos sujeitos operados, como também podem impulsioná-los a buscar novas estratégias de enfrentamento de situações antes paralisadoras. Corroborando esta conclusão, notamos que as diferenças individuais relacionadas à capacidade de enfrentamento vêm sendo investigadas em pesquisas científicas, voltando a atenção dos pesquisadores para a identificação de tais particularidades.
Nesse sentido, encontramos na literatura, pesquisas recentes voltadas não só para o benefício que as cirurgias para perda de peso proporcionam aos obesos, mas também para as diferenças individuais que acarretam evolução ruim em alguns obesos operados (Travado et al., 2004; Van Hout et al., 2005, 2006b; Fabricatore et al.,2007). Se de um lado, uma parcela, que pode chegar a 20% dos obesos operados, não fica satisfeita com o resultado da cirurgia para perda de peso (van Hout et al., 2006b). Por outro lado, há alguns anos um grupo de pesquisadores liderado por esse autor dedica-se a  compreender os fatores relacionados às diferenças individuais dos obesos, principalmente aquelas relacionadas às qualidades positivas que fazem com que os pacientes enfrentem as dificuldades no convívio com a obesidade e se adaptem melhor às mudanças necessárias à manutenção da perda de peso pós-cirúrgica. Consideram que o estilo de enfrentamento reflete mecanismos psicológicos de defesa em função de evitar emoções negativas (van Hout et al., 2005) e que alguns obesos parecem ser mais capazes de resistir ao impacto negativo da obesidade mórbida, enquanto outros são extremamente afetados (Van Hout et al 2006a). Existem estudos nos quais os pacientes assumiram papel ativo em modificar suas vidas, com esperança e otimismo, obtendo melhora psicológica mesmo que ainda permanecessem com sobrepeso (Van Hout et al., 2006b).
Esta capacidade de superação e adaptação tem sido investigada e classificada sob o constructo da resiliência. Em artigos de revisão, a palavra tem sido definida como a maior capacidade de retornar ao estado original após uma pressão ou choque. Sugere maior elasticidade, flexibilidade ou capacidade adaptativa, enfrentando e superando as adversidades (Yunes, 2003; Maniena, 2006; Earvolino-Ramirez, 2007).
 Ao se solicitar a intervenção cirúrgica, há um desejo do indivíduo de realizar mudanças, no corpo e na própria vida. Porém, existe uma heterogeneidade na psicopatologia dos pacientes tanto em variabilidade de sintomas quanto na intensidade dos mesmos (Travado et al., 2004) e isto leva os pacientes a responderem diferentemente ao tratamento pós-operatório, principalmente em relação à mudança de hábitos.
Porém, é inquestionável o impacto causado na subjetividade do sujeito ao realizar a cirurgia bariátrica, a começar pela mudança do aparelho digestivo (gastroplastia), e posteriormente, com vivências inerentes ao processo de emagrecimento (mudança na imagem corporal; excesso de pele; cicatriz das cirurgias plásticas) e o momento de se reconstruir novas referências e de se resignificar como ser na sociedade, não mais como o ”gordo”. Muitos não elaboram tantas transformações, o que justifica, muitas vezes, o reganho de peso ou a substituição do sintoma por outra doença ou compulsão. Outros conseguem realizar as mudanças necessárias, melhorando o seu estado emocional, diminuindo o nível de ansiedade e de depressão.
 Conclui-se que a importância do acompanhamento psicológico e psiquiátrico para estes pacientes é inquestionável, contribuindo com a melhora da qualidade de vida e das relações inter-pessoais.
Alguns resultados obtidos no tratamento psicológico realizado no pós-operatório, como também uma pesquisa que visava identificar as diferentes etapas após a cirurgia bariátrica, vivenciadas por alguns pacientes será apresentado. É relevante constatar o que ocorre mais freqüentemente, porém respeitar a singularidade de cada sujeito.


Ao realizar a cirurgia bariátrica o sujeito deseja realizar mudanças, no corpo e na própria vida, há uma trajetória não tão simplória como se espera, pois implica em se deparar com muitas modificações, iniciando-se com o emagrecer, e posteriormente, em relação à vida. O ficar magro leva à perda de várias referências que sustentam o sujeito. A partir de então, não se é mais o “gordo” frente ao mundo. Então, como ser?
Não se esquecendo que comumente a obesidade substitui a identidade. O indivíduo se “cola” àquele corpo obeso, e passa a não existir uma identidade, e a pessoa é “só gorda”.  (Freedman, 1981 apud Kaufman, 2005).

 Porém, deve-se esclarecer, com relação à identidade e o corpo, que “reconhecer-se não quer dizer que isto é o mesmo que eu, mas que se desperta prontamente um sentido ligado ao eu... é reconhecer na imagem... algo que está ligado a uma história, a minha impressão, a minha sensação”. (Násio, 1992; p.22).
No caso no corpo obeso está inscrita a marca de uma história, que deseja ser mudada, conseqüentemente ocorre um investimento (a cirurgia, por exemplo.) para se mudar o corpo, numa tentativa de possível mudança na história de vida do indivíduo. Todo esse processo, decorrente da sua complexidade, é desencadeador de uma vulnerabilidade física e psíquica.
O trabalho “Vulnerabilidade psíquica do paciente após a cirurgia da obesidade: indicadores psicodiagnósticos” (Queiroz; Santos e outros; 2006) – citado anteriormente – tinha como objetivo avaliar as fases de maior vulnerabilidade psíquica do paciente submetido à cirurgia de obesidade. Uma questão aberta, incluída no questionário, solicitava que o paciente relatasse como estava a cada etapa pós-cirurgia (um mês; três meses; 6meses; um ano;...), observando-se a fala mais freqüente em cada fase.  Observou-se que o estado emocional a cada momento se diferenciava, e o investimento da atenção para alguns aspectos também variava, de acordo com o tempo da cirurgia.
A gastroplástia (pré e pós-cirúrgico) é vista como o corte físico e simbólico, pois a partir deste momento iniciam-se mudanças consideráveis.
            
                                  
            
No pós-cirúrgico imediato é observado que o sentir dor é muito relativo. Como explicar a diferença da dimensão da dor para cada paciente?
A dor é do “domínio exclusivo da neurofisiologia, e é explicada como a transmissão de uma mensagem noceptiva no seio do sistema nervoso” (Násio, 1997; p.69). Porém, não devemos ficar apenas na escuta do sofrimento corporal do paciente, mas constatar as perturbações psíquicas mobilizadas. (Násio,1997).
Há uma lesão no corpo, ocasionada pela intervenção cirúrgica. Neste momento, sente-se a dor que se localiza no nível da lesão externa, e nas mudanças sofridas no aparelho digestivo. Mas também há uma sensibilidade emocional frente à intervenção cirúrgica, propiciando um aumento da dor, ao invés de reduzi-la.
A dor não é apenas física, apresentando também aspectos psíquicos. “Não estamos mais diante do eu transbordado de sofrimento e agressão, mas de um eu reagindo à agressão... é um movimento defensivo... Mais do que sofrer de uma dor de submissão ao mal, o eu sofre de uma dor de protesto contra o mal. Assim, a dor física se torna a expressão de um esforço de defesa, mais do que a simples manifestação de uma agressão dos tecidos”. (Násio,1997; p.86).
Eis uma hipótese frente à percepção das diferentes dimensões da dor no paciente pós-cirurgia.
A alimentação nesta fase da dieta líquida é relatada por alguns pacientes como um momento de muita dificuldade. O fato de não poder mastigar e de estar próximo a outras pessoas se alimentando normalmente é para muitos, angustiante.
A gastroplástia é o corte cirúrgico. Na avaliação psicológica e nutricional procura-se realizar o corte simbólico. É a tentativa do corte é feita no ritmo de estilo de vida a que o paciente se submeteu durante toda a vida. A nutricionista realiza uma orientação, ensinando a forma de mastigar; a priorização de alguns tipos de alimento e a combinação nutricional. A psicóloga procura salientar as mudanças inerentes à cirurgia e trabalhar a relação do indivíduo com o alimento, o corpo e a própria vida. Porém, mesmo com todo o trabalho no pré-cirúrgico, apenas depois de vivenciar a experiência da intervenção cirúrgica, é que se pode saber como cada um vai reagir. A reação subjetiva de cada paciente é única. A paciente C sabia de todo o processo do pós-cirúrgico, porém não sabia o como seria angustiante para ela vivenciar a fase de dieta líquida. Apenas ao viver o processo é que o indivíduo saberá como vai reagir. Mas algumas posturas se observam mais comumente.
No primeiro mês, a referência à corporalidade é a que predomina nos relatos da referida pesquisa.
Após o ato cirúrgico, o paciente quer tentar compreender que mudanças ocorreram em seu aparelho digestivo. “O eu superinveste narcisicamente o local doloroso do corpo... ele superinveste a representação psíquica da zona lesada e dolorosa.” (Násio,1997; p.120). A atenção é toda voltada para o estômago e o intestino na tentativa de elaborar uma imagem, um retrato, de como está o órgão que foi lesado. Muitos mencionam que viveram uma mutilação. Outros, que não passam mal, acham muitas vezes que não foram operados.
Entre o 2º e o 3º mês, há a construção de um cardápio particular, e a alimentação passa a ser incluída na (re)socialização.
Após a cirurgia ocorre uma desconexão do paciente com a comida. É necessário que ocorra uma ritualização e um resignificar com relação o alimento. O que seria isso?
Antes de realizar a gastroplástia o prazer de comer estava na quantidade. Depois, como não se come mais como antes, parece que se perde o prazer ao se alimentar. Deve-se passar a ter outras formas de prazer nas refeições, não mais na quantidade, e sim na qualidade. É freqüente alguns pacientes se tornarem gourmet, ficarem excelentes mestre -cucas.
É importante perceber a comida como algo que propicia a melhora da saúde física, mas há algo, além disso, tem-se uma representação simbólica no alimento, que se deve resgatar após a cirurgia. Procurar não perder o prazer na alimentação possibilita o não surgimento de transtornos alimentares (anorexia, bulimia,...)
A ritualização das refeições é necessária. Como se perde as referências frente à comida deve-se criar um ritmo alimentar, partindo da orientação nutricional, e realizando a construção de um cardápio particular. O objetivo da cirurgia é o emagrecimento. Mas o perder do peso deve ser com saúde, não substituir uma doença (obesidade) por outras (desnutrição, anemias, neuropatias,...). 
No terceiro mês, quando o emagrecimento é evidente, são relatadas novas referências corporais em relação ao olhar do outro. Muitos pacientes relatam se sentirem na vitrine, todos o observam, se emagreceu ou não, como come,...
Até três meses pós cirurgia, os pacientes relatam as adaptações à nova estrutura do aparelho digestivo (diminuição da bolsa gástrica e o desvio do caminho intestinal) e a atenção está voltada às novas regras alimentares. A construção da imagem corporal começa a se realizar a partir do olhar e da fala dos outros.
Muitos pacientes acham que não estão emagrecendo. Sentem apenas, no momento, que passam a usar roupas que antes não serviam.
 “O ato de olhar é um ato inconsciente, desencadeado por uma luz que provém do outro, de fora... o olhar está nessa falha de visão”. (Násio,1992; p.33).
 No sexto mês, conforme o relato dos pacientes, observou-se o aumento das atividades relacionais e sociais, culminando com o surgimento de conflitos e de exigências adaptativas.
A sincronia marital, caracterizada por estabelecer um vínculo afetivo a partir de um sintoma, leva os casais a mudar o peso juntos. (Sobal apud Kaufman,1995). Com a cirurgia há um corte no sintoma, obesidade. Se o parceiro não acompanha as mudanças decorrentes do emagrecer, pode haver uma crise conjugal.
Porém, deve-se pontuar que muitas vezes a crise conjugal já estava presente antes da cirurgia, mas não bem definida.
Outro fato é  a perda dos ganhos secundários. A obesidade justificava uma postura frente à vida, o isolamento social. Ao deixar de ser obesa se depara com outra real problemática, a crise conjugal.
A partir do momento que o indivíduo não tem mais justificativa para não enfrentar o mundo, pode ocorrer maior probabilidade de deslocamentos sintomáticos, o que é mais freqüente após o sexto mês de cirurgia.
A compulsão pode se direcionar para bebida, drogas, jogos. Na pesquisa realizada foi constatado que em 70 sujeitos, três faziam abuso de bebidas alcoólicas.
Deve-se questionar o que está por trás das sintomatologias. O investimento nesses objetos (comida, bebida,...) como possibilidade de alívio do circuito pulsional? O olhar para os sintomas como justificativa de não olhar a vida? É uma forma de paralisação dos desejos? Ou a tentativa de preencher o vazio?
Muitos, após a cirurgia, não conseguem ir de encontro com a vida e seus desejos, voltando a ter reganho de peso.

O sintoma a partir de um conflito, forças contrárias que se encontram, um desejo de ser magra, mas não deixar de comer. Por que?
Há também a dificuldade de viver perdas. Para ter um corpo magro, tem que se perder um cardápio rico em alimentos calóricos. O desejar comer doces e chocolates implica perder a possibilidade de um corpo esbelto. São escolhas.
O corpo, depois da cirurgia passa por muitas transformações. Muitos não estão preparados para vivê-las, conseqüentemente, boicotam o emagrecimento ou voltam a engordar.

A depressão, ”é uma falha em relação à saúde, quando é o médico quem fala, mas também uma falta, já que só o psicanalista a toma dessa maneira: uma falta moderna, com certeza, contra o obscuro imperativo de otimismo que nossa sociedade impõe, contra a ordem do “progredir”, “enfrentar”,... Os próprios sujeitos a percebem em uma dimensão de demissão,... de renúncia ante a luta. ”(Soler,2003; p.74). Segundo Lacan, a covardia moral. (Lacan apud Soler;2003).
Antes era o corpo obeso que justificava o não poder viver intensamente a vida, pois a dimensão corpórea dificultava até o se movimentar e locomover, depois de emagrecer o motivo de não se viver é a depressão, uma síndrome do pânico... Ocorre muitas vezes a substituição do sintoma.
Percebe-se um constante estado de insatisfação. Antes o problema era a obesidade, depois a pele e os ossos, depois a cicatriz da cirurgia plástica, depois... Vemos as queixas mais freqüentemente em mulheres, pois parece que “a queixa em si feminiza, a tal ponto que, do lado do homem aprende a refreá-la, ao passo que do lado da mulher, nada impede que faça uso dela.” (Soler, 2003; p.79).
Conclui-se que após a cirurgia perde-se um corpo obeso e as referências também, e é necessário se construir novas.
A cirurgia bariátrica: quando o que se perde vai além do peso (Queiroz; Santos; 2005), mobilizando medos frente ao novo.
Pois há um corpo que vive transformações, um corpo com marcas de uma história (obesidade, emagrecimento, cicatriz da cirurgia plástica). Marcas que se refletem na psique. (figura 19)

Fica evidente que no primeiro mês, há o aumento da vulnerabilidade física interferindo na noção eu/corporalidade; a partir do primeiro semestre, há o aumento da vulnerabilidade psíquica, ocasionando a possibilidade de deslocamento da compulsão ou a substituição de sintomas.
A equipe multiprofissional deve estar atenta e preparada para auxiliar o paciente em todo esse caminho, que se inicia com a intervenção cirúrgica. É interessante observar a fala preconceituosa de alguns autores das pesquisas apresentadas neste capítulo. Para que o tratamento com o obeso dê resultado significativo é necessário compreender que este paciente é um ser humano, vivenciando um sofrimento, principalmente por apresentar o sintoma obesidade. Poderia ser outro sintoma como uma depressão, uma síndrome do pânico,... A questão principal a se considerar é: o porquê um sujeito constrói algo no corpo para se apresentar na vida, no caso a obesidade?
A psicologia deve auxiliar na reconstrução das novas referências após a cirurgia; no resignificar da vida do paciente, agora como magro frente ao mundo; e acompanhar a cada etapa a vivência de transformações decorrentes da cirurgia da obesidade.

                                         
Referencias bibliográficas
  • Claudino, A & Zanella, M. Transtornos Alimentares e Obesidade. São Paulo: Editora Manole, 2005.
  • Domene, E.D. Tudo o que precisa saber sobre Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Editora Nutre, s-d.
  • Earvolino-Ramirez M. Resilience: A Concept Analysis. Nursing Forum. 2007; 42(2):73-82
·         Fabricatore AN, Sarwer DB, Wadden TA, Combs CJ, Krasucki JL. Impression management or real change? Reports of depressive symptoms before and after the preoperative psychological evaluation for bariatric surgery. Obesity Surgery. 2007; 17:1213-9.
  • Ferraz, E; Szego,T; Garrido, A; Barroso,F: Markezine,J. A cirurgia da obesidade. (org).Atheneu Editora.São Paulo. ( 2002).
  • Franques, A.. ------------------------.In:A cirurgia da obesidade.Ferraz, E; Szego,T; Garrido, A; Barroso,F: Markezine,J. (org).Atheneu Editora.São Paulo. ( 2002), 5,25-33.
  • Guisado,Juan A,Vaz; Francisco J; Alarcón, Javier; Béjar, Agustin; Casado,Mariano; Rubio,Miguel. Psicopatologia em pacientes com obesidade mórbida pós-cirúrgica de gastroplastia.  Centro latino-americano e do caribe de informações da saúde A.Abril, 2002
  • Hafner RJ, Rogers J, Watts Jm. Psychological status before and after gastric restricion as predictors of weight loss in the morbidly obese. J Psychosom Res, 1999, vol.34, nº.8, p.295-302.
  • Kaufman,A.  O obeso no prato. Kaufman. São Paulo. .Editor Segmento farma.2005.
  • Loli, M. Obesidade Como Sintoma. São Paulo: Editora Vetor, 2000.
  • Maniena SB. The concept of resilience revisited. Disasters, 2006; 30(4):433-50.
  • Marchesine, S. Distúrbios psíquicos e obesidade.In:A cirurgia da obesidade.Ferraz, E; Szego,T; Garrido, A; Barroso,F: Markezine,J. (org).Atheneu Editora.São Paulo. ( 2002), 5,25-33.
  •  Násio, J.D. O olhar em psicanálise .Rio de janeiro. Jorge Zahar Editor. 1992.
  • Násio, J-D. Da dor ao amor. Jorge Zahar Editos. RJ. 1996
  • N Villela Barreto, O. Braghrolli Neto, K. lima Cuvello, B. Eduarda Paneili, C. seal, D. Santos. Quality of life of obese patients submitted to bariactric surgery. Nutricion Hospitalaria, 2004, vol.19, nº.6, p.367-371.
  • Queiroz, A.; Santos, N. A Importância do Tratamento Psicológico Após a Realização da Cirurgia Bariátrica em Pacientes Obesos Mórbidos: Quando o que se Perde Vai Além do Peso. Anais do III congresso interamericano de psicologia da saúde: territórios do psicólogo Hospitalar “O mapa não é território”, 2005.
  • Queiroz, A; Santos, N; Moreira, B; Serapião, J;  Abrantes, M;  Kiko, R;  Roesler;R,  Fernandes, M. Vulnerabilidade psíquica do paciente após a cirurgia da obesidade: indicadores psicodiagnóstico Anais do VIII Congresso Brasileiro da Cirurgia da Obesidade; Salvador, 2006
  • Queiroz, C; Santos, N; Moreira, B ;Graffunder, D ;  Serapião, J; Abrantes, M;  Kiko, R;  Roesler, R ;  Fernandes, M. Qualidade de vida e presença de sintomas psíquicos em pacientes submetidos à gastroplastia. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Cirurgia da Obesidada; Salvador; 2006
  • Segal, A. Obesidade não tem cura mas tem tratamento. Rio de Janeiro. Prestígio Editorial. 2004.
  • Soler, C. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 2003.
·         Travado, L. Pires R, Martins V, Ventura C, Cunha S. Abordagem psicológica da obesidade mórbida: Caracterização e apresentação do protocolo de avaliação psicológica. Análise Psicológica , 3 (XXII): 533-550, 2004.
·         van Hout CGM, Verschure KM, van Heck GL. Psychosocial predictors of success following bariatric surgery. Obesity Surgery. 2005; 15:552-60. (apud Lanyon & Maxwell, 2007).
·         van Hout GCM, van Oudheusden IV, Krasuska AT, van Heck GL. Psychological profile of candidates for vertical banded gastroplasty. Obesity Surgery. 2006a ; 16:67-74.
·         van Hout GCM, Boekestein P, Fortuin FAM, Pelle AJM, van Heck GL. Psychosocial functioning following bariatric surgery. Obesity Surgery. 2006b; 16:787-94.
·         Yunes MAM. Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família. Psicologia em Estudo. 2003; 8(num.esp.):75-84.